Más notícias na semana passada derrubam ações e revelam dificuldade em descobrir novas drogas
A indústria global de remédios está doente.
Três grandes empresas farmacêuticas -Pfizer, AstraZeneca e Eli Lilly- revelaram cada uma graves problemas com importantes remédios na sexta-feira, ressaltando o fato de que a indústria de US$ 500 bilhões enfrenta grandes dificuldades em sua principal atividade, a de descobrir novas drogas.
O declínio na pesquisa e desenvolvimento de drogas tem sido um segredo aberto entre analistas e cientistas há anos. Mas os executivos do setor insistem que sua indústria é fundamentalmente saudável e que suas pesquisas custosas trarão lucros.
Enquanto isso, eles tentam compensar sua fraqueza na criação de novas drogas lucrativas implantando campanhas agressivas para vender drogas já existentes a médicos e pacientes, impondo grandes reajustes de preços e lutando para alongar patentes de remédios já no mercado.
Essas táticas protegeram seus lucros, mas irritaram consumidores e governos que compram remédios, causando reações nos EUA e na Europa. E, após as notícias da sexta-feira, essa reação deve ganhar força.
Em menos de 12 horas, a Pfizer disse que descobriu um risco maior de problemas cardíacos em pacientes tomando o Celebra -um antiinflamatório que está entre os remédios mais vendidos do mundo. A AstraZeneca divulgou que os testes para o Iressa, um remédio contra o câncer de pulmão aprovado nos EUA em 2003, mostraram que a droga não prolongou a vida dos pacientes. E a Eli Lilly alertou os médicos de que o Strattera, seu remédio para tratar do transtorno do déficit de atenção, geralmente em crianças, causou problemas graves no fígado de ao menos dois pacientes.
Os investidores puniram todas as três empresas, com as ações da Pfizer caindo 11,2%; as da AstraZeneca, 7,7%; e as da Eli Lilly, 2,4%. Conjuntamente, as quedas reduziram o valor de mercado das três empresas em mais de US$ 30 bilhões, piorando o fraco desempenho da indústria neste ano.
A seqüência de eventos é um sinal de que as empresas precisam confrontar suas dificuldades em descobrir novas drogas, disse Richard T. Evans, analista da Sanford C. Bernstein, firma de pesquisa de Wall Street. “Sua produtividade em R.&D. [pesquisa e desenvolvimento] é simplesmente terrível”, disse.
Nenhuma grande farmacêutica está livre do problema. O número de novas drogas aprovadas pela FDA (agência dos EUA que regula o setor) declinou severamente desde meados dos anos 1990, caindo de 53 em 1996 a 21 em 2003, apesar de a indústria ter quase dobrado seus gastos anuais em desenvolvimento de novos remédios, para quase US$ 33 bilhões.
Complicando o processo, muitos remédios já no mercado têm bom desempenho. Assim, o nível que os novos tratamentos têm de suplantar é alto, especialmente porque a maioria custa caro.
Se as empresas não reverterem a tendência, os investidores quase certamente irão exigir que elas cortem seus gastos com pesquisa. Enquanto isso, governos, diante de gastos crescentes com programas de saúde financiados publicamente, podem alterar a regulamentação do mercado farmacêutico ou forçarem as empresas a cortarem preços, disse o analista Evans. O resultado no longo prazo pode ser uma indústria que é menos lucrativa e menos capaz de produzir novas drogas para os pacientes.
Biotecnologia
Ainda assim, especialistas dizem que o progresso vem em solavancos e que o fluxo de novas descobertas de informações biomédicas pode levar a muitas drogas novas.
Mas farmacêuticas tradicionais ainda não tiveram muita sorte com a biotecnologia, embora tenham licenciado algumas drogas de empresas da área.
Enquanto lutam com as novas tecnologias, as empresas enfrentam um fluxo constante de expirações de patentes em seus remédios mais lucrativos. Para combater esse quadro, a Pfizer e algumas outras empresas usaram fusões e aquisições para crescer. Mas esses negócios nada fazem para aumentar sua capacidade geral de produzir novos remédios, dizem os críticos, e podem até prejudicar a indústria com as empresas em fusão tendo dificuldades para integrar seus laboratórios.
Jerry Avorn, professor de medicina da Harvard Medical School e autor de “Powerful Medicines: The Benefits, Risks and Costs of Prescription Drugs” (remédios poderosos: benefícios, riscos e custos das drogas com prescrição; Knopf, 2004), disse que a ausência de novas drogas levou as empresas a tentar elevar a procura por seus remédios fazendo marketing diretamente aos consumidores.
“Se você é uma empresa que não tem muitas drogas inovadoras a oferecer, precisa fazer muito marketing em cima das que já tem”, disse Avorn. Assim, muitas pessoas estão tomando remédios que trazem a elas apenas um benefício moderado, ou nenhum benefício, disse ele.
Ao mesmo tempo, as empresas não estão monitorando de perto os efeitos colaterais dos remédios que já vendem, porque temem que informações desse tipo desencorajem os pacientes a usar novas drogas, afirmou Avorn.
Boa aparência
Na superfície, a indústria parece relativamente saudável. As vendas crescem com força nos EUA e no mundo, com receitas subindo 9% em 2003, segundo o IMS Health, que acompanha as vendas de remédios.
E o setor é altamente lucrativo. A Pfizer deve faturar mais de US$ 14 bilhões neste ano, em vendas de US$ 51 bilhões, uma das maiores margens de lucro entre grandes empresas.
E as grandes farmacêuticas aumentaram seus gastos com pesquisa: a Pfizer diz gastar US$ 7 bilhões por ano. Esse nível de gasto justifica os altos preços de muitos remédios, alegam os executivos do setor. Qualquer iniciativa para cortar os preços, dizem, pode comprometer a descoberta de novas drogas.
Nos anos 1990, as empresas conseguiram lançar no mercado uma série de novas categorias de remédios. Mas, nesta década, elas tiveram poucos grandes avanços.
Até este ano, Wall Street vinha sendo relativamente paciente com a indústria, vendo-a como um destino de investimento estável e lucrativo.
Mas, nos últimos meses, os investidores começaram a deixar o setor.
Um índice amplo de ações farmacêuticas caiu 7,4% neste ano, enquanto o índice geral S&P 500 subiu 7,4%. As empresas que fizeram os anúncios na sexta-feira estão entre as de pior desempenho neste ano: as ações da Pfizer caíram 30%; as da AstraZeneca, 22%; e as da Eli Lilly, 20%.
Não há uma forma simples de tornar mais produtiva a pesquisa de remédios, disse K. Arnold Chan, da Harvard School of Public Health. A quantidade de conhecimento biomédico básico aumentou muito nos últimos anos, mas os cientistas ainda não conseguiram traduzir essa informação em novos remédios. “Há um intervalo entre a ciência básica e a ciência clínica”, disse ele.
Cerco à dipirona
Ninguém contesta que a automedicação é um problema no Brasil. Embora existam circunstâncias em que a pessoa pode e deve tomar remédios sem consultar um médico, o brasileiro costuma cometer exageros. Esse desvio pode ser explicado por inúmeras razões, que incluem um serviço público de saúde deficiente e o excesso de drogarias.
Seria por certo importante combater a má automedicação. Não há consenso sobre a melhor forma de fazê-lo. A estratégia anunciada pelo procurador Luiz Francisco de Souza, de mover ações para que determinadas drogas só possam ser vendidas contra apresentação de receita médica, parece equivocada. A primeira vítima do procurador foi a célebre Novalgina. Ele conseguiu liminar da Justiça Federal de Brasília proibindo a venda livre dos medicamentos da Hoechst que contenham dipirona.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a liminar, se mantida, significará pouco no combate à automedicação. No Brasil, a tarja vermelha que diz “venda sob prescrição médica” é apenas uma faixa colorida. As farmácias fornecem essas drogas a quem as pedir, munido ou não de receita. Na prática, a Novalgina apenas terá de sair das gôndolas.
No que diz respeito ao mérito da decisão, ele é polêmico. É certo que a dipirona pode provocar reações adversas, mas muitos especialistas a consideram um remédio relativamente seguro. Efeitos adversos existem para todas as drogas. Outros analgésicos e antitérmicos de venda livre, como o ácido acetilsalicílico (Aspirina) e o parecetamol (Tylenol), também podem provocar complicações potencialmente fatais.
Há quem afirme estar em marcha um lobby contra a dipirona por ser fármaco efetivo e barato, que prejudicaria as vendas de produtos novos e mais lucrativos.
Enfrentar a má automedicação é uma tarefa complexa, que exige muito mais do que discutíveis ações judiciais para passar os remédios das gôndolas para trás do balcão.