“O atendimento no PS foi interrompido devido à impossibilidade de acesso – ninguém
saia e ninguém entrava. Nosso contato com o exterior durante um período de pouco mais de 48 horas foi somente por meio do rádio”
O Dr. Roque Angerami, intensivista da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e vice-presidente da Sociedade Catarinense de Terapia Intensiva (SOCATI), estava na UTI do Hospital Santa Catarina, da qual é coordenador administrativo, quando começou o caos causado pelas chuvas em Blumenau (SC), uma das cidades onde foi declarado estado de calamidade pública. O médico conta que, enquanto cumpria o seu plantão, o hospital, no último fim de semana, sofreu com deslizamentos de terra, que causaram falta de energia, de água e de oxigênio.
“A situação era desoladora e de destruição e nunca imaginei que fosse vivenciar algo parecido. Tudo piorou quando um deslizamento comprometeu a rede de oxigênio. Ficamos ilhados, isolados no hospital por três dias nas mesmas condições: falta de água, energia elétrica (suprida por gerador), oxigênio e pessoal. O oxigênio foi resolvido com uma ação conjunta dos que estavam no hospital, do Exército, da Defesa Civil e da Polícia Militar, que foram a uma distribuidora e trouxeram cilindros de O2 para usar nos diversos setores do hospital. Enquanto isso, a chuva e os deslizamentos continuavam”, relata o médico intensivista da AMIB.
O Dr. Angerami diz ainda que, na ocasião, havia uns dez médicos no hospital, dentre eles obstetra, radiologista, pediatra, cirurgiã, intensivista e anestesista. “Tínhamos que fazer as coisas funcionar com cerca de cem pacientes internados, sendo dez na UTI de adulto e uns oito na pediátrica. O atendimento no PS foi interrompido devido à impossibilidade de acesso – ninguém saia e ninguém entrava. Nosso contato com o exterior durante um período de pouco mais de 48 horas foi somente por meio do rádio, que transmitia informações de forma ininterrupta”.
Segundo ele, a situação é muito peculiar, pois, devido às características do evento, que foi extremamente violento associado a um retardo no atendimento às vitimas devido a fatores climáticos, barreiras, obstáculos e distância, os pacientes mais graves, infelizmente, não sobrevivem. “Os sobreviventes são, na grande maioria os de menos gravidade. Estimamos um grande número de pacientes com doenças infecciosas nos próximos dias, como leptospirose, além de outras como diarréia, hepatite viral, tétano e acidentes com animais peçonhentos, cães e gatos. Acreditamos que a partir daí as UTIs tenham uma demanda aumentada de pacientes”.
Experiência
Conforme o Dr. Angerami, em ocasiões como a tragédia das chuvas no estado, a sua experiência como intensivista (aquele especializado
O especialista é também extremamente fora da unidade. “As operações de resgate e atendimento pré-hospitalar são também atividades pertinentes ao médico intensivista, desde que tenha treinamento específico para tal. Tanto junto ao poder público quanto nos serviços de remoção e atendimento domiciliar, como o SAMU e as UTIs móveis. Após essa etapa do resgate, também há a necessidade da presença de médico experiente em locais de triagem e em postos de atendimento fora dos hospitais, como abrigos e hospitais de campanha, que são montados em diversas áreas, para onde drenam as vítimas. Novamente a experiência e a capacidade de estabelecer prioridades, características do intensivista, fazem a diferença. O atendimento em equipe é fundamental, o que é outra característica do especialista. Por meio da AMIB e da SOCATI, estamos mobilizando nossa equipe médica para se deslocar para esses locais, com o intuito de ajudar a população”, complementa.