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Médicos não sabem usar a tecnologia, diz ex-secretário

Responsável pela pasta da Saúde na primeira gestão Bush afirma que muita gente morre por erro banal

 

 

 

 

 

No ano passado, quase 100 mil pessoas morreram de erros médicos e, em metade dos casos, a causa foi banal: médicos que não foram claros e escreveram com letra ilegível a receita, levando o paciente a tomar doses erradas de um remédio. A situação parece típica de um país de terceiro mundo, mas aconteceu nos EUA.

 

            Essa história é usada pelo secretário de Saúde dos Estados Unidos no primeiro governo de George W. Bush, Tommy Thompson, para ilustrar o quanto boa parte da classe médica ainda reluta em usar novas tecnologias para simplificar a relação com os pacientes. Ele fez uma palestra na semana passada, no Rio, organizada pelo Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Município do Rio de Janeiro.

 

            Para ele, é inaceitável que os hospitais não tenham ainda desenvolvido um sistema como o dos bancos, que permite que, em qualquer lugar do mundo, alguém possa sacar dinheiro de sua conta usando um cartão. No entanto, diz Thompson, se uma pessoa sofrer um acidente na sua própria cidade e for levado a um hospital onde nunca foi tratado, o médico demorará dias até ter acesso ao histórico do paciente.

 

            Thompson, no cargo equivalente ao de ministro no Brasil, administrou um orçamento de US$ 556 bilhões por ano, valor maior do que o PIB brasileiro.

 

            O ex-secretário da Saúde dos EUA elogia a política brasileira de combate à Aids, mas explicita sua divergência com a possibilidade de quebra de patentes de grandes laboratórios para redução dos preços de drogas.

 

            "Se o governo quebra patentes e começa a produzi-las mais baratas, que incentivo os laboratórios terão para desenvolver uma nova geração dos medicamentos? Num primeiro momento, o remédio sairá mais barato. Mas depois vai perder sua eficácia e não haverá um novo produto para substituí-lo", argumenta.

 

            Thompson discorda que haja atualmente "doenças típicas" de países subdesenvolvidos, cujos remédios poderiam ter a patente quebrada, já que não vendem nos mercados do Primeiro Mundo.

 

            "As doenças se espalham de maneira muito rápida. Foi o caso da Sars ou da gripe aviária. A doença pode até começar num país pobre, mas ela rapidamente vai se espalhar por outros países."

 

            Folha – Com o envelhecimento populacional e com a necessidade crescente de atualização tecnológica, a pressão por recursos públicos para a saúde tende sempre a aumentar. Como os EUA vêm enfrentando esse desafio?

 

            Tommy Thompson – Como secretário de Saúde dos Estados Unidos, visitei vários países europeus para conhecer melhor o sistema de saúde deles e comparar com o nosso. E o fato é que não há nenhum país totalmente satisfeito com o seu sistema. Todos estão procurando melhorar, e os Estados Unidos não são exceção. O que acho que é um desafio comum a todos os países é que estamos ficando mais velhos. E a medicina evoluiu a ponto de nos permitir viver mais. Mas eu quero também viver melhor. Para isso, temos que começar a cuidar da saúde desde cedo.

 

            Hoje, cerca de 80% dos gastos com saúde nos EUA são para tratar doenças crônicas. Há 125 milhões de americanos [45% da população] com uma ou mais doenças crônicas. Somos um país de pessoas que não tomam cuidado com a sua própria saúde e acho que isso provavelmente também acontece no Brasil.

 

            As pessoas fumam demais. Eu defendo, por exemplo, que as empresas de seguro de saúde cobrem mais dos fumantes. Ao envelhecerem, eles vão ter câncer ou morrer de doenças relacionados ao fumo. Se elas não tivessem fumado, não haveria esses gastos.

 

            Me assusta também saber que temos cada vez mais americanos com propensão para desenvolver diabetes, e me parece que isso é igual no Brasil. Estamos ficando cada vez mais obesos. São casos que podem ser evitados se, desde cedo, a população fizer dieta, tiver uma boa alimentação e fizer exercícios. Não sei quanto ao Brasil, mas, nos Estados Unidos, a obesidade afeta principalmente os mais pobres.

 

            O problema é que nossos sistemas de saúde, e isso acontece em todo o mundo, esperam as pessoas ficarem doentes para depois tratá-las. Se começássemos desde cedo, economizaríamos bilhões de dólares e daríamos mais qualidade de vida para nossa população. Nos Estados Unidos, 95% de nossos dólares são gastos para tratar pessoas que já ficaram doentes. Apenas 5% vão para ações de prevenção.

 

            Folha – Assim como muitos países já fizeram em relação ao cigarro, não está no momento de usar métodos mais agressivos para impedir que a indústria de fast food, por exemplo, faça propaganda de produtos gordurosos?

 

            Thompson – Não gosto de criar leis para forçar as pessoas a fazerem coisas. Sei que muitas pessoas discutem esse assunto, mas o que eu gostaria é de ter os consumidores que estão ficando gordos pressionando o McDonald’s para colocar opções mais saudáveis em seu cardápio.

 

            Essas pessoas vão a uma lanchonete porque trabalham muito e não têm muito tempo para almoçar. A indústria de fast food tem que sobreviver, mas eu quero que eles ofereçam opções mais saudáveis.

 

            Acho que as escolas têm que oferecer sucos ou leite ao lado de refrigerantes, para que os estudantes aprendam na escola que é preciso fazer opções saudáveis.

 

            É preciso educar a sociedade para ter hábitos saudáveis. Eu digo a muitos pais que me procuram para propor leis contra a indústria de fast food que o que vai realmente ajudar seus filhos é verem os pais andando, fazendo exercício e comprando uma laranja em vez de comer um hambúrguer. O que é preciso estimular é uma mudança de hábitos. Naturalmente, a Coca-Cola está retirando suas máquinas de refrigerante das escolas, o McDonald’s colocou saladas em seu cardápio e vários restaurantes estão indicando ao consumidor pratos mais saudáveis.

 

            Folha – Os altos custos de novas tecnologias não têm prejudicado também a saúde financeira do sistema?

 

            Thompson – É por isso que eu defendo que haja um trabalho preventivo, mas quero dizer também que médicos e hospitais não sabem usar a tecnologia. Vou lhe dar um exemplo: no ano passado, nos Estados Unidos, 98 mil pessoas morreram de erro médico. Em metade desses casos, o problema foi a administração de uma dose errada, ou uma posologia errada de um remédio. E sabe por que isso acontece? Porque o farmacêutico ou o paciente não entenderam a letra do médico. Porque ele usa praticamente a mesma abreviação para designar miligrama ou micrograma numa receita, o que dá uma brutal diferença.

 

            Isso é inadmissível. Já há tecnologia, e ela não custa tanto assim, que lhe permite ter um cartão no qual o médico vai gravar todas as suas informações. Apertando um botão, ele manda a conta para seu seguro de saúde ou a receita para uma farmácia. Isso salva vidas e economiza dinheiro, mas pouquíssimos médicos usam o sistema nos Estados Unidos.

 

            Se você vai a Nova York e fica sem dinheiro vivo no bolso, o que você faz? Passa em qualquer caixa eletrônico e tira dinheiro. Você pode fazer isso em praticamente qualquer lugar do mundo. Você pode ter acesso a sua conta, checar seu saldo e saber quanto dinheiro tem. Mas, se você sofre um acidente na sua cidade e é levado para um hospital onde nunca foi tratado, quanto tempo demora até que o médico saiba informações básicas sobre você, descubra que medicamentos você está tomando, que alergias tem?

 

            A tecnologia para facilitar isso existe, mas não está sendo usada. É possível colocar as informações em um cartão igual a um cartão de crédito. O médico, com isso, poderia acessar seu histórico rapidamente em qualquer lugar do mundo. Isso salva vidas, economiza dinheiro, mas não é usado.

 

            Folha – O senhor foi presidente do Fundo Global de Luta contra a Aids. Como vê a posição do Brasil de ameaçar quebrar patentes de laboratórios para baratear os custos do tratamento?

 

            Thompson – É preciso dizer primeiro que o Brasil está fazendo um bom trabalho nessa área. Mas, especificamente sobre a quebra de patentes, eu não acho isso positivo. Os medicamentos que tratam a Aids são anti-retrovirais e vão se tornando menos efetivos a medida que o vírus vai ficando mais tolerante a eles. É preciso estar sempre pesquisando e lançando novas drogas no mercado porque elas vão perdendo sua efetividade ao longo do tratamento. As companhias gastam em média US$ 800 milhões para desenvolver drogas como essas. Se o governo quebra patentes e começa a produzi-las mais baratas, que incentivo os laboratórios terão para desenvolver uma nova geração dos medicamentos? Num primeiro momento, o remédio sairá mais barato. Mas depois vai perder sua eficácia e não haverá um novo produto para substituí-lo.

 

            Folha – Só que os países pobres representam uma parcela ínfima do lucro dos grandes laboratórios. Por que não deixá-los tendo lucro em países ricos para que a população mais pobres não seja prejudicada pelos altos custos?

 

            Thompson – Como presidente do Fundo Global, sempre tratei as pessoas mais pobres com prioridade. Consegui muitos recursos para que países africanos e asiáticos lutassem contra a Aids e malária. Mas o que as companhias me dizem é que não vão mais produzir novas drogas caso a patente seja quebrada. Vamos supor que um país comece a produzir esses medicamentos quebrando patentes e passe a vender somente para a África. No final do processo, essas drogas certamente vão acabar chegando também à Europa ou aos Estados Unidos. Elas vão acabar nas mãos de pessoas erradas. Melhor do que quebrar patentes é colocar mais ênfase em pesquisa.

 

            Folha – Só que os grandes laboratórios vão se preocupar com drogas que podem dar lucro. Eles não vão se interessar por pesquisar doenças típicas de países pobres.

 

            Thompson – Não concordo hoje que existam doenças típicas apenas de um país ou região do mundo. Elas se espalham de maneira muito rápida. Foi o caso da Sars ou da gripe aviária. A doença pode até começar num país pobre, mas ela rapidamente vai se espalhar por outros países.

 

            Folha – Mas há doenças como cólera, dengue, malária e outras que são típicas de países pobres e são negligenciadas pelos grandes laboratórios privados.

 

            Thompson – Não concordo. A Novartis [multinacional de medicamentos] acaba de abrir um grande laboratório em Cingapura para tratar de dengue, ebola e outras doenças. E não acredito que essas doenças vão ficar sempre limitadas a países pobres. É por isso que, em vez de quebrar patentes, eu prefiro encorajar esses laboratórios a criarem novas drogas. Muitas locais onde há pesquisa não são grandes indústrias, mas pequenas e médias empresas de alta tecnologia que trabalham duro para desenvolver novos medicamentos.