Primeiro foi o Ministro do planejamento do Governo Lula, Sr. Guido Mantega, que, tentando justificar o expurgo de mais de 4 bi do orçamento do Ministério da Saúde para atender outros programas, entre os quais o Fome Zero, saiu-se com a pérola de que saneamento e alimentação também são ações de saúde.
Agora foi a vez do Governador do Estado do Paraná, Sr. Roberto Requião de Mello e Silva, ao ameaçar extinguir o SAS, fechar o hospital da PM e não reativar o IPE se os gastos com leite e saneamento não forem contabilizados como recursos decorrentes da aplicação da EC 29, que determina que estados destinem no mínimo 12% de seu orçamento em saúde pública.
Talvez o atropelo ideológico provocado pela ascensão de um metalúrgico ao posto máximo de nosso País esteja determinando uma nova maneira de se ver os aspectos sociais de obrigação da União, Estados e Municípios. Enquanto no Planalto tudo o que se faz de positivo é desencalhar programas e projetos do tempo do FHC, todos truncados e obstruídos pela então oposição e hoje governo, péssimo outrora e ótimos hoje, no Iguaçu imperam a falácia, a soberba e a prepotência.
Nada que não conheçamos de governo passado, exercido pela mesma pessoa. Enquanto em um passado não muito distante os maiores cabos eleitorais foram Ferreirinhas e Teixerinhas, os mais recentes foram o pedágio e o IPE. Enquanto os primeiros foram criações ludibriantes pré-eleitorais que mesmo desmentidas permanecem impunes, os outros foram mais uma vez promessas não cumpridas. Já se vão quase 11 meses de governo e o pedágio continua, diferentemente da bravata eleitoral de se acabar no primeiro dia de governo (melhor teria sido a idéia de auditoria do então candidato, Senador Álvaro Dias).
Agora, pretende justificar a aplicação de recursos orçamentários em saneamento e leite como verbas de saúde. Não que não sejam aplicações orçamentárias justas e necessárias, muito pelo contrário. Apenas que devem ter uma orçamentação própria e dirigida. Se captação de esgotos, tratamento do esgoto e sua destinação final são passíveis de orçamentação de verbas públicas, realizadas com dinheiro dos contribuintes, devem ser gratuitas, visto já pagas previamente junto com os impostos. Se pelo seu uso houver qualquer cobrança, com os recursos retornando à empresa que os propiciou, deixa de ser aplicação orçamentária para virar investimento com retorno garantido, contrariamente ao que prevê a EC 29 de destinação orçamentária para aplicação em Saúde Pública.
Se o raciocínio dos ilustres Ministro e Governador estivesse correto, muitos outros itens deveriam ser considerados como saúde e, portanto, custeados com recursos a ela destinados. Eletricidade para funcionar equipamentos de tratamento e diagnóstico; vestuário para evitar doenças respiratórias e decorrentes do frio; estradas para evitar acidentes e transportar doentes; supermercados, pois comercializam alimentos, etc, etc, etc.
Se formos procurar, em cada ponto do nosso dia-a-dia encontraremos sempre um vértice de congruência com algo relacionado à saúde. Porém, devem ser tratados como de sua natureza principal, e não como de natureza saúde.
Querer considerar o SAS como aplicação em saúde é desconhecer o termo Saúde Pública, visto o mesmo ter um caráter de atendimento à uma clientela específica e restrita (servidores públicos e seus dependentes). Os recursos dessa clientela são específicos e devem correr por outra fonte que não a da destinada à população como um todo, principalmente porque a parte faz parte do todo mas o todo não está incluso na parte. Se assim for, que se franqueie o atendimento de todo o cidadão nessas unidades, independentemente de ser ou não servidor público.
Fale o que quiser o Sr. Governador, feche a unidade que quiser, cesse o programa que desejar; ao final, o ônus político e moral será somente seu. Lei foi feita para ser cumprida ou questionada, jamais descumprida. Os 12% do orçamento do Estado dos quais a EC 29 determina deverão ser aplicados em saúde pública e não em outros programas do gosto do Governo.
Se promessas de períodos pré-eleitorais são de hábito descumprir, creio que com a lei é diferente, e temos que fiscalizar o seu pleno cumprimento.
Com a palavra, o Ministério Público e a Justiça!
(*) Miguel Jorge Rosa Neto é administrador de empresas e consultor de saúde em Curitiba