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O seguro-saúde em crise. Aqui e nos Estados Unidos

A imprensa brasileira não deu muito destaque, mas boa parte do último debate entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos, John Kerry e George W. Bush, no último dia 13, foi consumida com o tema seguro-saúde. O problema dos americanos nessa área talvez seja pior que o dos brasileiros porque lá não existe um Sistema Único de Saúde, obrigado por lei a atender todos os cidadãos, sejam pobres ou ricos, velhos ou jovens. Com todos os seus defeitos, o SUS representa uma assistência médica mínima e gratuita.

Segundo dados da fundação Henry J. Kaiser Family, uma organização privada, sem fins lucrativos, que estuda assuntos ligados à saúde nos EUA, 45 milhões de americanos não têm seguro-saúde e quase um em cada seis, com menos de 65 anos, está totalmente descoberto – não tem assistência pública ou privada. A situação só se agrava. No ano 2000, o número de americanos sem seguro era de 40 milhões. Segundo a fundação, as famílias mais pobres, principalmente jovens, minorias étnicas e imigrantes são os mais afetados pela falta de uma cobertura médica.

Ao mesmo tempo, os gastos com saúde naquele país bateram em 15% da portentosa economia americana (PIB de US$ 10,9 trilhões em 2003, segundo o Banco Mundial). As empresas estão gastando tanto com o seguro-saúde de seus funcionários que muitas estão “jogando a toalha”, e simplesmente desistindo de empregar ou de bancar esse benefício. Os gastos anuais com prêmios de seguro-saúde por empregado naquele país cresceram quase 60% para uma média de US$ 9.950.

“A previsão é que estes custos vão aumentar 11,5% este ano lá, para uma inflação de 1%”, diz o consultor Valter Hime, da VMA, empresa especializada em gerenciamento corporativo de custos de saúde.

Pelo menos, nos EUA o sistema privado de seguro-saúde atende a grande maioria dos 290 milhões de americanos. No Brasil, as seguradoras e operadoras de planos de saúde atendem apenas 35 milhões dos 170 milhões de brasileiros, reflexo da má distribuição de renda que não permite à maioria das pessoas pagar um plano privado.

Valter Hime frisa que a situação do sistema brasileiro de saúde privado não é das melhores. Algumas das grandes seguradoras simplesmente pararam de vender cobertura para pessoas físicas – só vendem para empresas, em que as regras do seguro, impostas pela Agência Nacional de Saúde (ANS), são mais flexíveis em termos de coberturas e preços.

O índice de sinistralidade, ou seja, a relação entre as despesas com sinistros – no caso, pagamento de consultas, exames, internações – e as receitas em prêmios, já chega a 90%. Isso significa que as seguradoras gastam quase tudo o que ganham em prêmios com o pagamento das indenizações. Isso ameaça a saúde financeira das empresas que, em algum momento, podem ficar sem recursos para atender aos compromissos.

O alto custo dos serviços médicos e dos medicamentos está na raiz do problema, tanto lá quanto aqui. Como a legislação brasileira exige, por um lado, que os planos e seguros de saúde cubram praticamente todas os procedimentos e, por outro, controla as receitas (administrando os preços cobrados pelas empresas dos segurados), a conta não fecha, o que ameaça o futuro do sistema como um todo. “O que você tem hoje são operadoras em dificuldades financeiras, médicos explorados pelas operadoras, o governo que não quer tomar a decisão política de mudar o modelo e os usuários que não têm alternativa (a não ser as enormes filas do SUS)”, analisa Hime.

Nos Estados Unidos, o novo presidente terá de tomar uma decisão política, como ficou claro nos debates. Ou vão usar o dinheiro dos impostos – cortando os benefícios fiscais – para financiar a saúde para mais gente, que é a proposta de John Kerry, ou vão estimular a sociedade para que ampliem o uso do sistema privado, que é a proposta de Bush. Hime aposta que, no Brasil, em algum momento, o governo também terá de tomar uma atitude. E a solução, diz esse especialista, “passa pela revisão do modelo atual”.

Janes Rocha é repórter de Finanças e autora do “Guia Valor Econômico de Seguros Pessoa Física e Bens”.