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País tem quase 2 abortos ilegais por minuto

Projeção realizada com metodologia de instituto americano usa como base as internações no SUS por complicações

A cada minuto, quase dois abortos clandestinos são realizados no Brasil. O número é uma estimativa baseada nas internações pós-aborto pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e aponta que, desde 1999, cerca de 952 mil mulheres interromperam a gravidez por ano no país. Em todo o ano passado, foram notificados 1.880 abortos legais.

A ilegalidade não impede o aborto, que é raramente punido. Mudam as técnicas, mas os números são perenes, como mostra a projeção calculada pela Folha com base na metodologia padrão para América Latina do AGI (Alan Guttmacher Institute), centro de pesquisa e análise de saúde reprodutiva e políticas públicas dos EUA que é considerado referência na área.

As internações para curetagem pós-aborto pela rede pública de hospitais são, em média, 238 mil por ano. Esse dado precisa ser corrigido para eliminar abortos legais ou espontâneos e incluir o sub-registro de internações e os abortos clandestinos que não chegam ao hospital.

Para isso, se multiplica o dado base por um fator variável de 3 a 5, no caso da América Latina.

De acordo com a Rede Nacional Feminista de Saúde, que reúne 113 entidades ligadas à defesa da saúde da mulher e direitos sexual e reprodutivo, o número de abortos clandestinos realizados no país em 2000 ficou estimado entre 750 mil e 1,4 milhão, utilizando a metodologia do AGI.

Um relatório de 2004, elaborado com base em dados de 1991, mostra que a falha na contracepção é mais grave do que se imaginava. Do total de gestações ocorridas no país, 31% são abortadas. Do restante que chegam a termo, 23% são indesejadas.

Além disso, estima-se que 1 em cada 30 mulheres brasileiras realize um aborto durante sua vida.

Perfil e complicações

Na América Latina, as mulheres que recorrem ao aborto clandestino e que acabam hospitalizadas têm entre 20 e 30 anos, já estão casadas e já têm filhos. Em países desenvolvidos, o perfil mostra mulheres mais novas, a maioria solteira e sem filhos.

Dos 4 milhões de abortos clandestinos realizados na região por ano, cerca de 800 mil acabam em hospitalizações.

Neste ano, até outubro, foram registrados 199,9 mil curetagens pós-aborto na rede pública, segundo o SUS.

Dados do Ministério da Saúde indicam que complicações do aborto espontâneo ou provocado são a quarta causa de mortalidade materna obstétrica -índice de morte de mulheres por motivos relacionados diretamente à gravidez ou o pós-parto.

Segundo levantamentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e da CPI da Mortalidade Materna, ambos de 1998, entre 3.000 a 5.000 mulheres morrem por motivos ligados direta ou indiretamente à gravidez, sendo 90% dos óbitos considerados evitáveis.

Ministras querem discutir tema

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Duas ministras da área social do governo Luiz Inácio Lula da Silva, Nilcéa Freire e Matilde Ribeiro, defenderam ontem o debate para rever a lei sobre o aborto.

“Parto do princípio de que a mulher tem de ter autodeterminação. Ninguém é obrigado a fazer aborto. Por isso eu, Matilde, defendo o aborto. Mas entendo que o nosso governo tem de debater”, disse a ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Para Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, cuja pasta elaborou documento que abriu o debate sobre o aborto, o tema não pode ir para “debaixo do tapete”.

“Há discussões e temas que são polêmicos na sociedade. A solução para eles não é escondê-los debaixo do tapete. É enfrentá-los”, declarou Nilcéa, que, assim como Matilde, participou ontem de solenidade sobre direitos humanos no Palácio do Planalto.

O Código Penal prevê a prisão para mulheres e médicos que praticarem o aborto, exceto em casos de estupro e de risco de morte para mulher. A revisão da lei que trata da interrupção voluntária da gravidez está prevista entre as prioridades do Plano Nacional de Políticas para Mulheres, elaborado pela pasta de Nilcéa Freire.

Questionada sobre eventuais retaliações por defender a questão, Matilde disse não estar no cargo para “fazer mentiras”.

“Nenhuma pessoa que exerce cargo político está isento de posicionamento pessoal e de ter de recuar de seu posicionamento. A sociedade nos conferiu um papel e temos que no mínimo sermos honestos conosco mesmo.”

Nilcéa afirmou que a questão deverá ainda ser debatida pela sociedade e, posteriormente, definida no Congresso.

A ministra evitou, no entanto, falar de sua posição pessoal: “Não importa. O que importa é a discussão de governo”.

(JULIA DUAILIBI E EDUARDO SCOLESE)

Câmara tem 38 projetos sobre tema

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

DA REPORTAGEM LOCAL

A possibilidade de interrupção da gravidez e mudanças na lei brasileira sobre o aborto já são temas de projetos de lei que tramitam no Congresso há ao menos 13 anos. Só na Câmara são 38 propostas e mais cinco no Senado.

Ao anunciar o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres anteontem, a ministra Nilcéa Freire divulgou a criação de um grupo, em janeiro, para discutir a legislação que trata da punição em casos de aborto, prevista no Código Penal instituído na década de 40.

Para a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), relatora de parte dos projetos na Câmara, a votação poderia ser rápida caso o governo fizesse um esforço. “Gostaríamos que o governo valorizasse e aproveitasse os anos de debate no Congresso”, disse.

O substitutivo apresentado por Feghali prevê a livre interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação. No caso de risco de morte da gestante, gravidez decorrente de estupro e má-formação incompatível com a vida ou doença degenerativa incurável o aborto seria liberado em qualquer estágio da gestação.

Anencéfalos

Há propostas de parlamentares que prevêem a possibilidade de aborto em casos de fetos anencéfalos (sem cérebro).

Uma liminar, dada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio de Mello, liberou o aborto de fetos anencéfalos, entre 1º de julho e 20 de outubro deste ano. Nesse período, estima-se que tenham sido realizados cerca de 50 procedimentos, segundo a ONG Anis. Nos últimos 15 anos, foram 3.000.

Em pesquisa Datafolha de outubro, 67% dos paulistanos opinaram que grávidas de fetos sem cérebro devem ter o direito de interromper a gestação, contra 26% que discordam. Cerca de 71% das mulheres e 62% dos homens se disseram favoráveis.