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Patentes e pesquisa básica em saúde

Ciência e Tecnologia ocupam espaço crescente no governo, na mídia e naturalmente, nos meios acadêmicos. A principal preocupação é a baixa produção brasileira de patentes, um indicador universal da transferência de resultados da ciência para o setor produtivo. Diretrizes governamentais para a política industrial enfatizam a necessidade de gerar patentes e transferir as inovações para produtos e serviços destacando, entre outras, a área de fármacos e medicamentos.

O debate sobre esta questão parece, no entanto, estar viciado por um falso antagonismo entre a produção acadêmica e o desenvolvimento tecnológico. Há alguns meses o diretor da Organização Mundial da Propriedade Intelectual declarou, em visita ao Ministério de Ciência e Tecnologia, que não existe no Brasil a “cultura de patentes”. Recentemente, um industrial proclamou, em reunião na Academia Brasileira de Ciências, que as universidades deveriam valorizar cada patente como equivalente a 20 artigos científicos representativos de produção acadêmica sem, entretanto, revelar a razão do cálculo.

É fato conhecido que a pesquisa acadêmica expandiu-se no Brasil nas últimas décadas, com aumento expressivo do número de publicações científicas e da fração que estas representam no cenário internacional, porém não se refletiu em crescimento do número de patentes depositadas por inventores brasileiros.

Especialistas advertem que a idéia da pesquisa básica como primeiro e necessário passo para desenvolver tecnologia está, em boa parte, superada pela atuação empresarial crescente em inovação tecnológica e defendem, com argumentos sólidos, o investimento em pesquisa e desenvolvimento no setor privado. Entretanto, cabe um alerta sobre o risco de pautar a política de desenvolvimento científico e tecnológico em generalizações, como se ciência e tecnologia representassem um setor monolítico.

Uma contribuição relevante nesta área foi o levantamento sobre inovação no setor de saúde, de autoria dos economistas Eduardo da Motta e Albuquerque, da UFMG e José Eduardo Cassiolato, da UFRJ, editado em agosto de 2000 pela Federação das Sociedades de Biologia Experimental. Entre outros aspectos, este estudo ressalta peculiaridades do setor de saúde, que o distinguem de outras áreas intensivas em conhecimento, como segmentos baseados fundamentalmente em engenharia ou física.

Para entender o papel da pesquisa acadêmica na área da saúde é particularmente reveladora a análise feita por Francis Narin das fontes de referência citadas nas patentes depositadas entre 1986 e 1997 no United States Patent and Trademark Office por inventores dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e Japão.

Naquele período: o número médio de publicações científicas citadas em cada patente quadruplicou; três em cada quatro referências corresponderam a publicações originadas de pesquisa financiada com recursos públicos; os depósitos em eletrônica, informática e comunicações citaram, principalmente, outras patentes e raramente publicações científicas, enquanto cada patente em biomedicina se apoiou, em média, em cerca de seis, e na área de genética em mais de 15 publicações, principalmente de pesquisa básica; os trabalhos produzidos no país de origem da patente foram até quatro vezes mais citados do que o esperado em relação à produção científica global daquele país.

Para produzir patentes em saúde a demanda por pesquisa básica financiada com recursos públicos está crescendo

Conclui-se que as patentes na área biomédica sobrevalorizam a pesquisa realizada no país com recursos públicos, em contraposição a outras áreas do conhecimento que hoje desenvolvem novas tecnologias essencialmente a partir de pesquisa dentro das próprias empresas.

Por outro lado, duvida-se que o exemplo de países tradicionalmente produtores de conhecimento se aplique ao Brasil. A Coréia, um país emergente que nos últimos 20 anos combinou uma produção científica semelhante à nossa com um enorme crescimento do número de patentes, é o modelo preferido dos analistas brasileiros.

Porém, dentre as patentes depositadas em 1997 nos EUA, as cinco classes mais enfatizadas por inventores norte-americanos foram: instrumentos cirúrgicos, biologia de organismos multicelulares, duas classes de aplicações técnicas em cirurgia e próteses. Já as cinco mais enfatizadas por inventores coreanos foram: processamento e gravação de sinais de TV, televisores, armazenamento e recuperação de informação, processos de manufatura de semicondutores e dispositivos elétricos.

Nenhuma das 15 classes mais comuns para os coreanos se relacionava com a área da saúde. De 1997 a 2001, enquanto inventores coreanos depositaram, no USPTO, 36 vezes mais patentes do que brasileiros, a relação em eletrônica, informática e comunicações foi de 195 vezes. No conjunto biomédico/biotecnológico, a relação foi de oito vezes.

Estes dados demonstram grandes diferenças setoriais e indicam que, para produzir patentes na área de saúde, a demanda por pesquisa básica nacional financiada com recursos públicos está aumentando em ritmo acelerado. Há, ainda, campos novos de investigação, como terapias celulares e moleculares, que têm grande potencial para o manejo de doenças que resistem a medicamentos convencionais e para as quais ainda não se sabe se as empresas terão, por exemplo, as mesmas características da área de fármacos.

Portanto, ao contrário de idéias difundidas com freqüência no meio empresarial e em certos setores governamentais, de que as universidades e centros de pesquisa deveriam simplesmente substituir as publicações científicas pela produção de patentes, na área da saúde o investimento maciço em pesquisa básica continua sendo essencial e indispensável para o desenvolvimento tecnológico.

A pesquisa acadêmica na área da saúde está em alta justamente como motor de inovação tecnológica. Renova-se, assim, a advertência feita na Conferência Mundial de Ciência, em 1999, pelo então diretor-geral da UNESCO, Federico Mayor, de que “a capacitação no mundo em desenvolvimento deve enfatizar a pesquisa básica. pois somente isto poderá assegurar que cada país seja soberano em suas aplicações de Ciência e Tecnologia”.

Rafael Linden é diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.