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PF prende 46 da quadrilha das ambulâncias

A Polícia Federal prendeu ontem 46 pessoas, entre elas os ex-deputados Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Ronivon Santiago (PP-AC), assessores do líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PMDB-PB) e de oito deputados federais, funcionários dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento, além de empresários. Todos são acusados de participar de organização criminosa especializada em fraudar licitações públicas em municípios para a aquisição de ambulâncias. As prisões ocorreram em cinco estados e no Distrito Federal. À noite, havia ainda oito mandados de prisão a cumprir, alguns contra outros assessores parlamentares. A quadrilha teria movimentado R$ 110 milhões entre 2001 e 2005.

O golpe envolvia a compra de pelo menos mil ambulâncias e UTIs móveis. Segundo o delegado Tardelli Boaventura, responsável pela Operação Sanguessuga para prender os suspeitos, Cuiabá servia de sede para o grupo. As fraudes na compra dos veículos e equipamentos hospitalares ocorriam em cidades do próprio Mato Grosso, Acre, Amapá, Rio, Paraná e Minas Gerais. A polícia aponta o empresário Darci Vedoin e outros membros da família Trevisan Vedoin, donos das Planan Indústria e Comércio e a Santa Maria Comércio, como chefes da organização.

Nas escutas telefônicas feitas pela PF em quase dois anos, 51 deputados e ex-deputados são citados em diálogos diretos e indiretos como envolvidos no esquema. As provas são mais fortes contra os deputados Nilton Capixaba (PTB-RO), Pastor Pedro Ribeiro (PMDB-CE), Benedito Dias (PP-AP), Edna Macedo (PTB-SP), João Mendes (PSB-RJ), Laura Carneiro (PFL-RJ), Lino Rossi (PP-MT), Maurício Rabelo (PL-TO), Paulo Baltazar (PSB-RJ), Ricarte de Freitas (PTB-MT) e Vieira Reis (PRB-RJ). Como todos os parlamentares têm fôro privilegiado, o Supremo Tribunal Federal (STF), não foram investigados pela PF. O delegado Boaventura encaminhou a relação de parlamentares ao STF e ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, para que decidam pela investigação contra eles.

Num dos trechos das gravações, ao qual o Correio teve acesso, duas pessoas acusadas de participar da quadrilha discutem a propina supostamente paga ao ex-deputado Carlos Rodrigues. De acordo com a transcrição de um dos diálogos anexados ao inquérito, "Ricardo (supostamente responsável pelos pagamentos de propina) fala (com Adriana, uma funcionária da empresa Planam) que conversou com a Neura (outra acusada de participar do esquema) sobre os R$ 3.000,00 do escritório novo e os R$ 9.000,00 do Carlos Rodrigues, o que seria feito ainda hoje (16 de janeiro deste ano)."

 

Emendas

O esquema de corrupção era financiado por emendas individuais de parlamentares ao Orçamento da União. Primeiro, eles procuravam prefeitos interessados na aquisição de veículos adaptados para unidades móveis de saúde. Fechada a lista, apresentavam as emendas dentro da cota pessoal de R$ 3,5 milhões – até o ano passado. Essas emendas têm aprovação integral na Comissão de Orçamento e no plenário do Congresso. Depois, os parlamentares buscavam a liberação dos recursos pelo Ministério da Saúde. Em alguns casos, subornavam funcionários do ministério – caso de Maria da Penha Lino, assessora do Ministério da Saúde, ex-funcionária da Planam e presa ontem. Com a verba garantida, os parlamentares exigiam que os prefeitos forjassem licitações para favorecer as empresas escolhidas

Em nota divulgada à imprensa, o ministério informou que colaborou com os trabalhos da PF. Dos três funcionários da instituição envolvidos, apenas um do quadro de servidores efetivos. No caso dos servidores comissionados, já foi encaminhado o ato de exoneração, que será publicado no Diário Oficial da União de hoje. Em relação à servidora do quadro efetivo, que também possui função gratificada, será instaurado processo administrativo, além de exoneração da função gratificada. Já os parlamentares citados declaram desconhecer as acusações contra seus funcionários e ficaram surpresos, mas muitos dos assessores presos pela PF foram demitidos ontem mesmo.

 

Mercador de votos

O ex-deputado Ronivon Santiago ficou conhecido por todo o Brasil em 1997, quando foi flagrado numa gravação telefônica em que afirmou ter vendido, por R$ 200 mil, o voto em favor da emenda da reeleição para presidente da República. Em decorrência da divulgação da fita pelo jornal Folha de S.Paulo, Ronivon renunciou ao mandato no mesmo ano para não ser cassado pelo plenário da Câmara.

Em outubro de 2002, ele foi preso pela Polícia Federal no hotel Blue Tree, acusado de abuso de poder político e compra de votos na eleição para deputado federal naquele ano. Foi solto em seguida, mas a denúncia resultou na cassação do seu mandato pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre. Ele permaneceu na Câmara até o início deste ano amparado por uma liminar concedida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ronivon teria sido beneficiado com parte dos R$ 4,1 milhões repassados ao PP pelo esquema do mensalão. O dinheiro recebido pelo assessor do partido João Cláudio Genu teria sido utilizado para pagar o advogado de defesa de Ronivon no processo que tramitava no TRE do Acre.

A lista dos presos

Acre

Ronivon Santiago, Ex-deputado federal pelo PP

Brasília

Adarildes M. Costa, Funcionária do gabinete do dep. Pedro Ribeiro (PMDB-CE)

Carlos José Miranda, "Laranja" da organização

Cristiano de Souza Bernardo, Func. do gabinete do dep. Vieira Reis (PMDB-RJ)

Francisco Machado Filho, Func.o do gabinete o dep. Nilton Capixaba (PTB-RO)

Jairo Langoni de Carvalho, Funcionário do Ministério da Saúde

Luiz Carlos Moreira Martins, Func. do gabinete do deputado Maurício Rabelo (TO)

Marcelo Cardoso Carvalho, Func. do gabinete do sem. Ney Suassuna (PMDB-PB)
Maria da Penha Lino, Funcionária do MS (ex-funcionária da Planam)
Nívea Martins de Oliveira, Func. do gabinete da deputada Elaine Costa (PTB-RJ)
Noriaque José de Magalhães, Func. da Assoc. Matogrossessense de Municípios
Octávio José Bezerra Fernandes, Func. do gabinete da dep. Edna Macedo (PTB-SP)
Pedro Braga de Souza Júnior, Func. do gabinete do dep. Eduardo Seabra (PTB-AP)
Régis de Moraes Galheno, Func. do gabinete do deputado João Mendes (PSB-RJ)

Ricardo Augusto da Silva, Func. do gabinete do ex-deputado Ronivon Santiago
Roberto Arruda de Miranda, Funcionário do Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, que estava cedido para o gabinete do senador Ney Suassuna (PMDB-PB)
Wilber Corrêa da Silva, Funcionário da Câmara

Contagem (MG)
Marco Antônio Lopes, Funcionário do gabinete da deputada Elaine Costa (PTB-RJ)

Curitiba

Adalberto Testa Neto, Empresário

Cuiabá

Adilson da Silva Guimarães, Empresário

Alessandra Trevisan Verdoin, Empresária
Alessandra Silva de Assis, Representante comercial da Planam
Angelita Felipe Nunes, Trabalha para Ronildo Pereira Medeiros
Cléia Maria Trevisan, Empresária
Cíntia Cristina Medeiros, Empresária
Darci José Verdoin, Empresário, apontado como o chefe da organização
Enir Rodrigues de Jesus, Empresária
Gustavo Trevisan Gomes, Empresário
Helen Paula Duarte Cirineu, Empresária
Ivo Marcelo Spinola da Rosa, Empresário
José Thomaz de Oliveira Neto, Empresário

Luiz Antônio Trevisan Vedoin, Empresário
Maria Estela da Silva, Empresária
Maria Loedir de Jesus Lara, Empresária
Neureny Aparecida, Empresária
Ronildo Pereira Medeiros, Empresário
Tabajara Montezuma Carvalho, Empresário

Governador Valadares (MG)

Marco Túlio Xavier Coelho, Comerciante

Rodrigo Mendes de Oliveira, Funcionário da empresa Randon Rondominas

Macapá

Erik Janson Sobrinho de Lucena, Empresário

Nilópolis (RJ)

Ricardo Waldman Brasil, Empresário

Rio de Janeiro

Carlos Rodrigues, Ex-deputado pelo PL

Várzea Grande (MT)

Francisco Rodrigues Pereira, Vendedor

Local não informado

Aristóteles Gomes Leal Neto, Empresário

Manoel Vilela de Medeiros, Empresário

 

Empresas de fachada faziam o negócio sujo

Ministério Público e Receita descobriram que o esquema de vendas fraudadas de ambulâncias começou no Acre e no Mato Grosso. A CGU encontrou casos semelhantes em mais três estados

 

O esquema de fraudes e corrupção montado para a venda de ambulâncias para prefeituras começou a ser desmontado pelo Ministério Público Federal, a partir da investigação de convênios feitos entre municípios do Acre e o Ministério da Saúde, em 2002. Uma representação feita ao Tribunal de Contas da União (TCU) pelo procurador Fernando Piazenski apresentou indícios de fraude em concorrências e superfaturamento de preços em contratos da prefeitura de Rio Branco. O tribunal estendeu as investigações para convênios feitos em mais três municípios acreanos: Capixaba, Porto Acre e Senador Guiomard.

A auditoria do TCU, concluída em 2004, apontou a empresa Santa Maria – que vendia as ambulâncias – como uma "empresa de fachada, constituída formalmente apenas para emitir notas fiscais de vendas, para acobertar as operações das pessoas físicas ou jurídicas que negociaram, compraram, venderam, receberam a aplicaram recursos da venda de veículos equipados como unidades móveis de saúde". O tribunal considerou relevantes as ligações entre as empresas Santa Maria e a Planam, que transforma os veículos em ambulâncias.

 

O endereço comercial e fiscal e os telefones informados à Receita Federal eram os mesmos. O contador da Planam, Bento de Alencar, era o mesmo da Santa Maria. Os procuradores e verdadeiros gerentes da Santa Maria, Luiz Antonio Vedoin e Darci José Vedoin, eram sócios da Planam. O endereço informado como sendo a sede da Santa Maria é de propriedade da mãe de um dos proprietários da Planam. A Receita concluiu que a Santa Maria "não existe de fato". Seria "mera fachada para a realização de vendas de unidades móveis" pela Planam. As proprietárias formais da Santa Maria seriam empregadas domésticas. Maria Loedir afirmou ter rendimentos de R$ 600.

 

"Propósito de fraudar"

Nas vendas feitas para as prefeituras do Acre, o TCU constatou que a Santa Maria e a empresa Comercial Rodrigues "reuniram-se com o propósito de frustrar ou fraudar o caráter competitivo das licitações". As proprietárias da Santa Maria, Maria Loedir e Rita de Cássia de Jesus, são filhas de Enir Rodrigues de Jesus, proprietária da Comercial Rodrigues. Enir não conseguiu demonstrar a origem dos recursos investidos na constituição da sua empresa e não comprovou capacidade empresarial para estabelecer o comércio de veículos e montagem de equipamentos médicos.

As mesmas fraudes foram registradas em outros estados nas fiscalizações feitas pela Controladoria Geral da União (CGU). Foram constatadas irregularidades na compra de ambulâncias e ônibus escolares nas prefeituras de Pontal do Araguaia, Salto do Céu e Pontes de Lacerda (MT), Bonival (BA), Itaguaçu (ES), Pimenteiras do Oeste e Cerejeiras (RO). As empresas Santa Maria e a Klass Comércio e Representações foram acusadas de superfaturamento de preços, conluio na apresentação de propostas, simulação de concorrência e uso de documentos falsos.

Em Salto do Céu, a Santa Maria venceu concorrência para a venda de um ônibus escolar. A empresa Torino Comercial apresentou preço superior na concorrência, mas depois forneceu o veículo entregue pela Santa Maria. Na compra de um ônibus com consultório odontológico pela Prefeitura de Bonival, as empresas Klass e Esteves & Anjos apresentaram propostas idênticas, embora o edital não definisse de forma clara o objeto da licitação. A CGU percebeu que o mesmo tipo de fraude era praticado em vários estados, sempre pelas mesmas empresas, e pediu a abertura de inquérito pela Polícia Federal, o que ocorreu em novembro 2004.

 

Patrimônio de ex-bispo cresceu 15.000%

O ex-deputado federal Carlos Rodrigues, conhecido como Bispo Rodrigues, preso na Superintendência da Polícia Federal durante a Operação Sanguessuga, teve um crescimento de 15.000% em seu patrimônio, em 1994, segundo documentos da Receita Federal. De acordo com um termo de verificação e constatação do órgão, esse acréscimo patrimonial foi "justificado" (as aspas são usadas pela própria Receita) por um empréstimo no valor de 17.306.883,14 Ufirs (hoje, R$ 18,4 milhões), obtido junto às empresas Investholding Limited, das Ilhas Cayman, e Cableinvest, das Ilhas Jersey, dois paraísos fiscais britânicos. O empréstimo foi feito sem registro no Banco Central, o que configura grave irregularidade.

 

 

Com esse recurso, Rodrigues adquiriu cotas de duas emissoras de televisão, a TV Rio e a TV Sociedade (Minas Gerais), e da Edminas Editora. As duas TVs e a editora são ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus, à qual o Bispo Rodrigues era ligado e foi expulso recentemente.

 

 

Em 1991, Rodrigues aparecia apenas como acionista da Rádio Educacional de Uberlândia (MG), também com vínculos com a Universal. Suas declarações de renda de 1992 e 1994 não mostraram modificações no patrimônio e seus rendimentos vinham unicamente da igreja. Na declaração de 1995, referente ao ano de 1994, foi constatado o espantoso crescimento.

 

 

Além de Carlos Rodrigues, outros líderes da Igreja Universal foram investigados pela Receita por causa de empréstimos irregulares, entre eles o bispo e deputado federal João Batista Ramos (ex-PFL), preso no ano passado em um avião com malas cheias de dinheiro, e o bispo Honorilton Gonçalves, hoje executivo da Rede Record.

 

 

Rodrigues foi expulso da Igreja Universal supostamente por ligações com irregularidades na Loterj, do Rio, e por envolvimento no caso Waldomiro Diniz – ex-assessor do Palácio do Planalto. Mas o bispo, na verdade, já havia sido abandonado antes pela igreja, em razão de conflitos com Edir Macedo, o chefe máximo da Universal, e porque também teria tido comportamento considerado inadequado. Mesmo fora da igreja, ele ainda tem participação em várias emissoras de rádio ligadas à Universal.

 

 

Memória

 

Denúncia em 2005

O uso de emendas de parlamentares ao Orçamento da União para financiar a compra de ambulâncias por meio de licitações fraudadas foi revelado pelo Correio em reportagem publicada no dia 18 de dezembro do ano passado. A reportagem teve acesso a documentos de prefeituras municipais e do Ministério Público de Rondônia que comprovavam a entrega de produtos alterados, de baixa qualidade e com documentos falsos, além de concorrências dirigidas. Nos casos relatados ao Correio, as emendas eram do deputado Nilton Capixaba (PTB-RO), segundo-secretário da Câmara dos Deputados. Ele já entregou 120 ambulâncias a 52 municípios – um investimento de R$ 10 milhões em sete anos.

A reportagem percorreu cerca de 1,2 mil quilômetros em busca de registros das compras dessas ambulâncias e de testemunhos de prefeitos, ex-prefeitos e secretários municipais de saúde. Na região de Cacoal, distante 470km de Porto Velho, as fornecedoras do produto eram sempre as mesmas: Santa Maria Comércio e Representações e Klass Comércio e Representações, empresas de Cuiabá. Em muitos casos, eram as únicas participantes das licitações abertas pelas prefeituras. As duas geralmente forneciam veículos transformados pela empresa Planam, também de Cuiabá. Havia provas de irregularidades em compras feitas pelas prefeituras de Cerejeiras, Ministro Andreazza e Alvorada DOeste.

Mesmo temendo represálias por parte da quadrilha que vendia as ambulâncias, um ex-secretário municipal afirmou que Capixaba indicava as empresas que "venceriam" as licitações. Depois, pressionava a administração municipal a aceitar o produto entregue. As ambulâncias são disputadas pelos prefeitos dos pequenos municípios, que contam com uma precária estrutura de saúde pública. Eles deslocam seus doentes para a capital. Os deputados de Rondônia descobriram esse nicho de clientelismo e despejaram cerca de 400 ambulâncias no estado na última década.

Capixaba afirmou na época que não poderia ser responsabilizado por irregularidades cometidas pelos prefeitos. "Eu não faço licitação, não compro. Só apresento a emenda. Se algum prefeito cometeu irregularidades, que seja punido", disse. E fez uma acusação: "Essa matéria foi encomendada pelos meus adversários".