A liberdade de as operadoras aplicarem reajustes diferentes nos planos de saúde contratados antes de 1998 terá outra conseqüência além da briga na Justiça entre consumidores e empresas: uma nova pressão sobre a inflação. O IBGE, que calcula o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), já avisou que vai mudar a metodologia de coleta dos reajustes. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) também vai alterar o processo de pesquisa desses preços. Com isso, a expectativa é que os gastos com planos de saúde pesem mais na inflação.
Até junho, o IBGE se limitava a diluir nos índices de preços a taxa autorizada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que foi fixada em 11,75% para este ano, já que o reajuste é aplicado na data do aniversário de cada contrato.
Nos dez anos do Real, alta de 202,38%
O anúncio de aumento de 47,1% em cerca de cem mil contratos da Sul América e de 80% em 50 mil planos da Bradesco, duas das maiores seguradoras do país, vai atingir em cheio o IPCA. O plano de saúde tem peso de 2% na cesta de produtos pesquisada pelo instituto, percentual semelhante ao dos remédios:
– Qualquer mexida maior nesse serviço vai ter um impacto forte nos índices de preços ao consumidor. Tudo indica que o reajuste médio ficará acima do autorizado pela ANS – alerta André Furtado Braz, coordenador dos IPCs da FGV.
De janeiro a junho, as mensalidades dos planos já subiram 4,52%, percentual superior à média da inflação no ano, de 3,48%. Nos dez anos de Plano Real, a alta também foi maior: enquanto o IPCA subiu 169,11%, os planos de saúde aumentaram 202,38%. Até serviços médicos subiram menos que as mensalidades dos planos. Os serviços médicos e dentários tiveram um reajuste de 192,47%, e os serviços laboratoriais e hospitalares aumentaram 135,79% no mesmo período.
– Vamos acompanhar dois grupos de usuários, os que contrataram o plano antes de 98 e os novos. O reajuste, então, deve ficar superior ao que vínhamos captando – disse Eulina Nunes, gerente do Sistema de Índice de Preços do IBGE, durante a divulgação do IPCA de junho, na última sexta-feira.
As empresas ganharam o direito de fixar seu reajuste depois que Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a lei 9.656, de junho de 1998, que regulamenta o funcionamento do mercado de saúde suplementar, não fosse aplicada aos contratos fechados daquela data.
Inflação pode passar de 1% este mês
Unindo-se ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e ao Ministério Público do Rio e de São Paulo, o Procon de Minas Gerais e de Belo Horizonte e a Assembléia Legislativa do estado pretendem entrar hoje com uma ação coletiva na Justiça, pedindo que seja estendido a todos os contratos o índice da ANS.
Os aumentos nos planos de saúde chegam num mês já pressionado por outras altas. Eles vêm se somar aos reajustes das tarifas de energia elétrica, de mais de 17% em São Paulo, e da telefonia em vários estados, de mais de 7%, em média. Essa combinação deve levar o IPCA, que ficou em 0,71% em junho, a maior taxa do ano, a um novo recorde. As projeções variam de 0,8% a mais de 1% para a inflação de julho.
– Metade da inflação virá das tarifas de energia e telefonia. O que vai determinar se o IPCA vai ficar em 0,9% ou acima de 1% é a alimentação – diz a economista Ana Paula Almeida, da consultoria Tendências.
Luiz Susigan, economista da LCA Consultores, lembra que os reajustes de energia para a indústria paulista este mês devem chegar a 25%. A essa pressão de custos, continua, somam-se novos aumentos de preços nos setores petroquímico e siderúrgico.
– O que preocupa é como as indústrias vão reagir. O mais provável é que carreguem custos para o próximo ano, uma vez que o repasse para o varejo ainda é limitado pela demanda interna – diz o economista da LCA, que espera IPCA de 1,05% em julho e de 6,8% no ano.