O verdadeiro e bom hospital psiquiátrico não pode jamais ser confundido com um manicômio, ou ser tratado assim. Já não existem manicômios no Brasil há décadas. Todos são hospitais abertos, pelo menos desde 1992-94 . Exceto os de custódia. Hospitais psiquiátricos bons, estão sendo banidos do conjunto de alternativas assistenciais psiquiátricas por motivos extra-científicos, ideológicos, assim como serão as próximas vítimas, no Brasil, o modelo assistencial médico e o uso dos psicofarmacos.
Os grandes laboratórios – fabricantes de alguns dos melhores aliados dos médicos na tarefa de debelar quadros clínicos psiquiátricos agudos e importantes – estão assistindo ao fechamento dos bons e insubstituíveis hospitais psiquiátricos de braços cruzados. Poderiam oferecer certa ajuda. Dependentes do governo, omitem-se. Certo número de médicos incorre em equívoco semelhante, ao assistir a tudo sem esboçar protesto.
Dentro em breve não terão como fazer com sua clientela de mais baixo poder aquisitivo que, quando adoece, tem que recorrer aos serviços do SUS. Cruzar os braços e não enfrentar os donos do poder, hoje, lhes custará caro em breve. E os perdedores serão os de sempre, os doentes mentais graves pobres.
No Recife, uma das mais tradicionais clínicas psiquiátricas, uma unidade de referência, está fechando as portas. Outras igualmente importantes estão se preparando para igual solução no curto prazo, premidas pela equivocada política de remuneração do insensível SUS, que paga absurdamente mal. Note que ficaremos dentro em breve sem as duas melhores clínicas psiquiátricas do nordeste do Brasil. E poucos médicos levantam suas vozes decisivas, mesmo sabendo que a desassistência será grande , sobretudo entre pobres e pretos. O que está levando tantos envolvidos com o cuidado com o doente mental grave e pobre -aquele que não se adapta aos Caps e outras formas de atenção semelhantes – a uma tal negligência? Afinal, trata-se da camada humilde da população brasileira que está sendo abandonada.
Enquanto países que até há pouco serviam de espelho ao sistema SUS estão investindo em bons hospitais, dotando-os de conforto e adequação aos diversos quadros clínicos, que se credenciam a tratar-se decentemente internados, no Brasil o que se vê é uma desvairada caminhada em plena contra-mão sem que ninguém se indigne e proteste.
O caps são bem-vindos. Mas são inadequados a certas formas e intensidades psicopatológicas e comportamentais que só podem ser corretamente tratadas na enfermaria do hospital. Em tempo, os hospitais psiquiátricos encontram-se lotados, ou seja, a demanda existe. E as causas do estrangulamento financeiro que o SUS impõe às clínicas psiquiátricas não tem embasamento científico. Fundamentam-se em argumentação ideológica. Saúde não se trata com política ou ideologia.
O que será do paciente que chega à fila do SUS à três da madrugada para pegar um ficha para ver hospitalizado um filho, a esposa e não é atendido convenientemente? Há cerca de 3000 doentes mentais graves hospitalizados hoje no Recife. São 9000 familiares que ficarão à margem do sistema. Um hospital de 200 leitos emprega diretamente cerca de 140 funcionários e seus familiares, sem falar em fornecedores, etc. Some-se tudo e compute-se o número de descontentes com o governo que administra o SUS.
A demanda reprimida representará muitos votos perdidos pelos governantes. O presidente da República será um deles. Como se vê, tratar mal o doente mental grave pobre e virar as costas a seus familiares não representa apenas um ato ignominioso. Representa pura insensibilidade política e desapreço para com todo o cabedal científico-psiquiátrico acumulado ao longo dos anos nos hospitais até nossos dias .
Ulysses Pernambucano de Mello é Diretor de Hospital Psiquiátrico.