O número de ações judiciais para garantir o acesso à medicamentos, novas tecnologias e assistência hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) não pára de crescer. Só este ano, o Estado deve gastar R$ 8,5 milhões para cumprir as determinações da Justiça. Até julho, as ações já somavam 1,8 mil. O gasto aumentou 51 vezes em relação à 2002, quando o valor gasto em mandados foi R$ 164 mil. A média mensal de ações contra a prefeitura é de 28 e, até agosto, elas representaram R$ 900 mil – três vezes a mais do que o valor de 2004.
O cenário de decisões favoráveis preocupa o Ministério Público (MP), pois mais da metade dos casos são relativos à inovações terapêuticas, muitas sem sustentação técnica. Segundo a promotora de Justiça de Defesa da Saúde, Josely Ramos Pontes, se há drogas inovadoras e tratamentos mais eficazes, eles precisam ser comprovados por pesquisas públicas e não apenas por estudos bancados pela indústria farmacêutica.
A promotora defende mais cuidado nas análises. “Os operadores devem conhecer as políticas públicas, os protocolos do SUS em relação a cada doença e ouvir os setores envolvidos. Dessa forma, com base nos laudos, poderão avaliar corretamente se o usuário se adequa ou não à determinado tratamento”, enfatizou Josely.
Os médicos do SUS são obrigados, pela legislação, a fazer a prescrição do princípio ativo. A mesma medida não vale para os profissionais da rede privada. Atualmente, o MP está investigando a suspeita de que laboratórios estariam facilitando o acesso de pacientes ao judiciário. Quinze médicos podem estar envolvidos.
O juiz da 4ª Vara de Feitos da Fazenda Municipal, Renato Luiz Dresch, garante que a Justiça assegura o direito à saúde previsto na constituição, com acesso universal e igualitário. “Procuramos analisar cada prescrição médica de forma específica. Se o laudo apontar risco, não podemos esperar que ele se comprove. Mas a parte pode recorrer em relação à liminar”, afirmou. Segundo Dresch, se for provado que o paciente pode usar outro medicamento com efeito terapêutico similar, isso será corrigido. “Mas, na maior parte das vezes, o município alega apenas que a obrigação não é dele e, sim, do Estado ou da União. Um jogo-de-empurra em relação a responsabilidade.”
Insulina
Uma vez ganha na Justiça, a ação deve ser cumprida. Mas nem sempre a situação é seguida à risca. O garoto Davi Tomaz Peixoto, de 6 anos, aguarda desde fevereiro, com base em liminar, a liberação, pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), da bomba de infusão de insulina e outros insumos necessários para o tratamento da diabetes. Em julho, o processo foi julgado e a decisão provisória confirmada. Mesmo assim, o aparelho, que custa R$ 10 mil, não chegou. O garoto usa uma bomba emprestada pelo laboratório.
O pai de Davi, Alexandre Tomaz Peixoto, de 36, gasta cerca de R$ 750 por mês com o tratamento. O valor consome quase todo o salário recebido e, por isso, ele e a mulher precisam fazer empréstimos para arcar com os custos do tratamento. Alexandre também é diabético e perdeu a visão do olho esquerdo devido às complicações da enfermidade.
Ele explica que o garoto recebeu o diagnóstico da doença crônica aos três anos e não se adaptou ao tipo de insulina fornecida pelo SUS. “Antes, ele sofria constantes convulsões e tinha a vida bastante limitada”, lembrou. O pai do garoto sabe que não é o único a buscar o apoio da Justiça, mas disse se valer da lei para garantir os direitos constitucionais.
Mesmo com a pouca idade, Davi já lida com o aparelho como um adulto. A bomba é ligada a um catéter preso no corpo do menino. “Para brincar, ponho a mangueira para dentro da calça. Os colegas já sabem e procuram não esbarrar”, contou.
Ontem, a SES informou, por meio de sua assessoria, que a bomba e os insumos serão entregues em um prazo de três a dez dias úteis. Segundo a assessoria, ainda não há estudos que comprovem uma maior eficácia do aparelho em relação aos outros tratamentos.