A máfia dos sanguessugas chegou a controlar 70% das emendas para a compra de ambulâncias com dinheiro do Ministério da Saúde. A revelação foi atribuída ao empresário Darci José Vedoin por integrantes da CPI criada para investigar o escândalo, que estiveram em Cuiabá (MT) para interrogar os acusados de fazer parte do esquema de corrupção. De acordo com Vedoin, a quadrilha chegava a antecipar parte da propina para que os congressistas apresentassem as emendas, que garantiam às prefeituras recursos para a aquisição dos veículos.
Sobre o restante das emendas, cerca de 30%, o empresário afirmou que o grupo identificava seus autores e as cidades beneficiadas. Depois, procurava congressistas e prefeitos para tentar "comprar" as emendas, garantindo, assim, que as empresas ligadas à Planam vencessem as licitações feitas pelas prefeituras para a compra das ambulâncias. Vedoin disse que ele mantinha um funcionário para ler diariamente o Diário Oficial da União e localizar as propostas parlamentares de seu interesse.
As informações sobre o funcionamento da máfia dos sanguessugas prestadas pelo empresário serão reunidas pela CPI a outros depoimentos colhidos na capital mato-grossense. O mais importante deles foi o do filho de Darci Vedoin, Luiz Antônio Trevisan Vedoin, interrogado na Justiça Federal do Mato Grosso por sete dias consecutivos. Se o pai deu detalhes sobre a dinâmica do grupo, Luiz Antônio revelou nomes de parlamentares ligados ao esquema e apresentou comprovantes das irregularidades, depois de negociar a delação premiada com a Procuradoria da República e o juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal no estado. Ele foi libertado da prisão na madrugada de ontem.
Depois dos depoimentos no Mato Grosso, os integrantes da comissão retornaram a Brasília admitindo trabalhar, a partir de agora, com uma base maior de investigados. No total, seriam três senadores e 62 deputados, número superior aos 57 contra os quais o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF).
Provas
O relator da CPI, senador Amir Lando (PMDB-RO), não quis falar de nomes ou número de envolvidos, mas salientou que não terá dificuldade em apontá-los. "A vantagem dessa CPI é que ela trabalha sobre uma montanha de provas", afirmou. Lando esperava receber ainda ontem cópia do depoimento de Luiz Antônio Trevisan Vedoin à Justiça Federal e os documentos entregues por ele que comprovariam o pagamento de parlamentares que aderiram ao esquema. Entre esses papéis, haveria recibos bancários do pagamento de propinas e correspondências trocadas entre a Planam e gabinetes no Congresso.
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), que também viajou a Cuiabá no início da semana, disse estar otimista quanto às informações reunidas até aqui pela CPI e ousou dizer que a investigação está concluída. "Agora, nos resta apontar quem é quem", afirmou. Antes disso, a comissão ainda ouvirá Luiz Antônio Trevisan Vedoin. A audiência para interrogá-lo foi agendada para o próximo dia 25.
Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), presidente da CPI, admitiu estender os trabalhos da comissão até dezembro – instalada no mês passado, ela está prevista para durar 30 dias prorrogáveis por mais 30 -, mas o petista garantiu que ele e os demais integrantes trabalhão em cima de um relatório a ser apresentado na primeira quinzena de agosto com os nomes de todos os envolvidos. Na segunda etapa, após as eleições, eles se dedicariam a investigar o esquema dos sanguessugas em outros ministérios, hipótese levantada pelos empresários ligados ao esquema, e discutir melhorias no gerenciamento do Orçamento da União, incluindo a proposição de emendas.
Contra sigilo em inquéritos
O presidente da CPI dos Sanguessugas, deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), reuniu-se ontem à tarde com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, para, mais uma vez, pedir que as informações dos inquéritos abertos contra parlamentares possam ser divulgadas. "Esses nomes têm de ser divulgados para acabar de vez com as especulações", argumentou Biscaia. O tribunal deve analisar o caso na próxima semana. No mês passado, o relator do caso no Supremo, ministro Gilmar Mendes, havia negado a quebra do sigilo.
Apesar do apelo da CPI, a tendência do STF é manter o sigilo dos dados que constam dos inquéritos, instaurados a pedido do Ministério Público Federal. A jurisprudência que existe na Corte em relação às comissões parlamentares de inquérito no Congresso Nacional prevê a manutenção desses dados sob segredo. O entendimento de ministros do Supremo sobre o tema foi reunido em um estudo encomendado pela própria ministra Ellen Gracie à sua assessoria.
O levantamento apresenta uma série de decisões recentes do Supremo em pedidos semelhantes, formulados pelas CPIs dos Correios e dos Bingos, que investigaram escândalos de corrupção no governo. "A decisão de lacrar documentos tem sido considerada, pelos ministros desta Corte, como adequada e suficiente a preservar cautelarmente o sigilo de dados já fornecidos a comissões parlamentares de inquérito", entendeu o ministro Marco Aurélio, ao julgar recente mandado de segurança.
Mandados
À noite, o deputado Nilton Capixaba (PTB-RO) protocolou dois mandados de segurança no STF. Num deles, o parlamentar pede para que a Polícia Federal se abstenha de "promover ou permitir" o vazamento das gravações realizadas dentro da investigação.
Ele alegou que as gravações foram feitas pela PF "sem autorização da Corte" e pediu "que sejam destruídas como meio de prova obtido ilegalmente". As escutas telefônicas dentro dessa investigação foram realizadas com autorização da Justiça Federal do Mato Grosso, mas quando a PF detectou a participação de congressistas encerrou o monitoramento e enviou o material à 2ª Vara Federal no estado, que o remeteu ao STF. (MR)
Apuração
15 é o número de inquéritos já abertos pelo STF contra parlamentares a pedido da Procuradoria Geral da República
Ministro desmente irregularidades
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, afastou ontem qualquer possibilidade de que as fraudes atribuídas à máfia das ambulâncias tenham atingido o ministério durante sua gestão. Pessoas ligadas ao esquema levantaram a hipótese de que as irregularidades tenham alcançado o programa de inclusão digital, comandado pelas Comunicações em parceria com a pasta da Ciência e Tecnologia. "Eu tenho certeza de que nós não cometemos irregularidades nesses contratos", afirmou o ministro.
O programa de inclusão digital prevê a montagem de telecentros, salas construídas para garantir o acesso gratuito da população à internet. Em alguns casos, é feita a aquisição de telecentros móveis, com estrutura montada dentro de um ônibus. Durante a administração de Hélio Costa, só um contrato de telecentro móvel foi assinado, por meio de um convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Convênios
O ministro garantiu que nenhum equipamento foi adquirido diretamente por sua pasta. "O Ministério das Comunicações não faz compras de ônibus nem de telecentros. Ele faz convênios com associações, prefeituras e sociedades aceitas e reconhecidas pelo governo federal", esclareceu.
Embora tenha defendido sua pasta, o ministro não descartou a existência de falhas no processo de liberação de verbas nas gestões anteriores. Segundo o próprio Hélio Costa, as Comunicações não possuíam parâmetros para a aprovação dos contratos no programa de inclusão digital.
O ministro contou ainda que, ao assumir o cargo, cancelou diversos processos por exigência da Controladoria Geral da União (CGU). Ao todo, R$ 15 milhões teriam sido liberados fora do "procedimento correto". A maior parte das irregularidades estava nos contratos dos telecentros fixos, com custo médio de R$ 57 mil cada. Segundo ele, foram também cancelados os contratos relativos aos telecentros móveis, com custo de até R$ 300 mil. Atualmente, apenas o da UFMG está ativo, de acordo com o ministro. "Todos os outros foram autorizados antes de eu chegar. Portanto, não são minha responsabilidade", explicou.
Dois pedidos de cassação
Três partidos – PPS, PSol e PV – entraram ontem com representação no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara pedindo a abertura de ação por falta de decoro para cassar os mandatos dos deputados Nilton Capixaba (PTB-RO) e João Caldas (PL-AL). Os dois são suspeitos de envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Na representação, as três legendas pedem, preliminarmente, o afastamento de Capixaba e Caldas dos cargos que ocupam na Mesa Diretora da Câmara.
Integrantes da CPI argumentaram que, embora os dois deputados tenham decidido não mais participar das reuniões da Mesa, eles continuariam tomando decisões administrativas da Casa. "Eles apenas não estão participando de reuniões que dizem respeito ao esquema dos sanguessugas. Mas continuam tendo poder decisório em questões da Câmara", afirmou o vice-presidente da CPI, Raul Jungmann (PPS-PE).
O presidente da Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), já avisou que não deve haver nenhum julgamento em período eleitoral. "É o primeiro passo de todo o processo dos sanguessugas. Mas o conselho só vai poder julgar esses casos depois das eleições de outubro", disse.