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Saúde – reflexão sobre a crise

Cortes nos investimentos dos governos, intervenção federal em hospitais públicos do Rio de Janeiro, descaso dos governantes pela saúde, mau atendimento da maioria dos planos de assistência, sucateamento de equipamentos e hospitais, altos preços dos remédios. Tudo isso enseja reflexões muito sérias sobre a crise do setor de saúde no Brasil, começando pelo simplismo de se atribuir a uma causa específica o que resulta de muitas delas: parcos investimentos, rede hospitalar precária, volume excessivo de pacientes, médicos mal remunerados, má gestão dos recursos públicos, corrupção endêmica, etc.

Livram-se, assim, os responsáveis, da hipocrisia das supostas avaliações, anulando-se a possibilidade de análise mais profunda da crise – não existindo culpados, culpem-se os doentes. Com isso, transmite-se a impressão falsa de que não há solução possível para minorar esse sofrimento e, assim, é preciso mais paciência. É a forma perversa de os governantes lavarem as mãos, agravando assim os velhos problemas do atendimento da população, que paga um dos mais altos impostos do mundo e recebe uma das mais baixas contrapartidas.

Há anos, os brasileiros vêem com apreensão cenas de pacientes, especialmente idosos, que morrem nas filas dos hospitais públicos. Poderia até se dizer que já são pragmáticos e que perderam um pouco a capacidade de se indignarem ao ver imagens de doentes nas filas ou jogados em corredores hospitalares, perdidos no labirinto do descaso e de disputas políticas no setor.

Como contrapeso dessa vergonha e argumento de que a crise não é tão grave assim, o Brasil apresenta hospitais de Primeiro Mundo e cirurgiões de comprovada competência, além de integrar a vanguarda das pesquisas com células-tronco. Mas dados do Ministério da Saúde revelam a falsidade desse contraponto: se determinadas áreas de nossa medicina têm um alto padrão de competência em atendimento, até em alguns hospitais públicos, a imensa maioria do povo, sobretudo a de baixa renda, está completamente abandonada.

No Distrito Federal, onde se gasta anualmente cerca de R$ 1,4 bilhão com a saúde – valor per capita de R$ 600,00, mais que o dobro da média nacional -, faltam medicamentos, seringas, anestésicos e outros insumos indispensáveis para os hospitais. Ainda no aspecto financeiro: em 2003, 41,2% dos 5.539 municípios ignoraram a Emenda Constitucional 29, que os obriga a investir um percentual mínimo de suas arrecadações na saúde pública. Em 2003, cerca de 600 municípios investiram abaixo do previsto, 1.621 não prestaram contas referentes ao período e 71 nunca o fizeram em tempo algum – no caso dos estados, 16 dos 27 governadores, ou 59,3%, investiram menos do que deveriam.

Portanto, nenhuma surpresa que os principais hospitais municipais do Rio de Janeiro estivessem em situação de calamidade pública, pois, em 2002, o governo do estado deixou de aplicar na Saúde R$ 361 milhões, de R$ 871 milhões. Os R$ 510 milhões gastos em outros setores, os desperdícios de material e desvios de equipamentos explicam a degradação dos hospitais, que, no Rio, exigiu até a inacreditável ajuda das Forças Armadas para resolver o problema.

Por que, em função do princípio constitucional da autonomia municipal e dos pruridos dos gestores dos municípios, se permite que 14 mil pacientes se ponham em fila aguardando meses e anos por uma cirurgia para a qual nunca são chamados?

São fatos que, juntos, sob o pano de fundo da incompetência na gestão, criam as mais violentas pressões na rede hospitalar – pressões que os hospitais que atendem o SUS-Sistema Único de Saúde não têm condições de suportar -, e que o Ministério da Saúde, com o apoio do presidente e do Congresso, precisará equacionar e resolver. Uma Lei de Responsabilidade Sanitária, que estabelecesse sanções contra administradores omissos no atendimento à saúde pública, é uma medida a ser analisada por quem tem o mínimo de compromisso com a vida. Além disso, é obrigação da União dotar estados e municípios de recursos para manter, operar e fiscalizar os hospitais públicos em todo o País.

Embora o governo federal tenha agido corretamente ao intervir nos seis hospitais fluminenses, essa é uma crise que não se cura com gaze e esparadrapo, como é essa intervenção, mas com uma cirurgia radical que consiga criar nos brasileiros, em geral, um mínimo de confiança no sistema público de saúde.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos e Jurídicos do Santander Banespa.