O Centro Psiquiátrico Metropolitano, instalado na travessa João Prosdócimo, no alto da rua XV de Novembro, em Curitiba, pode ser chamado de “um depósito de doentes mentais e uma vergonha para a sociedade paranaense que pode ver ali, com os próprios olhos, o descaso dos administradores públicos para com o cidadão que precisa de auxílio médico”. A denúncia, em tom de desabafo, é do empresário Roman Olijnyk, 51 anos, que afirma ter se deparado com um cenário dantesco e humilhante.
No relato de Olijnyk, que passou perto de oito horas no Centro Psiquiátrico, tentando internar um jovem, drogado, que pedia socorro, podemos observar que existe uma ferida à mostra e que os administradores públicos escondem. “Foi uma Via Crucis, onde me deparei com um quadro deprimente e desumano. Não por culpa dos funcionários, mas pelo descaso do próprio sistema administrado pelos governos estadual e municipal”.
“O sistema está próximo de uma explosão”, admite o diretor geral, José Inácio Cordero. Mas mostra resistência, na tentativa diária de suprir as falhas e atender a demanda de aproximadamente três mil portadores de transtornos mentais que passam por mês pelo Centro Psiquiátrico. O quadro dramático, traçado pelo empresário e confirmado nas declarações do diretor da casa, desenham um futuro sombrio para o setor no Paraná.
Com o fechamento de leitos e hospitais psiquiátricos no Paraná e o problema do Centro Psiquiátrico Metropolitano acende uma luz vermelha no seio da sociedade: o fenômeno da migração dos pacientes para as ruas. Em várias regiões do Estado já se pode observar pessoas com transtornos, precisando de ajuda, perambulando pelas ruas sem qualquer alternativa.
São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, perdeu o seu hospital que chegou a ter cerca de 580 leitos. Muitos dos pacientes acabaram nas ruas, o mesmo devendo ocorrer com vários dos que estão no Hospital Franco da Rocha, o único de Ponta Grossa e que encerra as atividades dentro de dois meses.
Na região Oeste, foram fechados 500 leitos, numa cifra que quase vai dobrar com o fim das atividades de mais um hospital. O misto de asilo e prisão há muito deixou de ser uma realidade pela própria vigilância da sociedade. Mas a ânsia de os governantes em apressar uma solução para reduzir internamentos e custos, pode decretar a total desassistência do brasileiro.
Na capital, Cordero afirma que o CPM, que atende mais de três mil pessoas por mês, está com sua capacidade no limite. “Não negamos atendimento a ninguém, mas o sistema é falho e está saturado”. Muitas pessoas que passam por ali e são encaminhadas aos Postos de Saúde da capital acabam voltando ao centro.
“É um ciclo vicioso e perverso para o paciente”. De acordo com ele, muitos pacientes encaminhados pelo CPM aos postos de saúde de Curitiba acabam voltando ao centro por demora no tratamento. A informação, no entanto, é contestada pelo diretor do serviço de urgência e emergência de Curitiba, Matheus Chomatas. “Todas as pessoas que chegam aos postos de saúde da prefeitura são atendidas. A demora ocorre, mas é questão de um ou dois dias para o agendamento da primeira consulta e o início do tratamento”.
O impasse deve-se porque o CPM, que é administrado pelo governo do Estado, deveria atender somente a população oriunda da região metropolitana e não a da capital, que deve ser atendida nos postos de saúde, já que a maioria dos municípios da região metropolitana não possui atendimento à saúde mental.
O acordo, que entrou em vigor em primeiro de setembro, foi feito entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Curitiba, mas na prática ele não funciona. Ou seja, toda e qualquer pessoa que procura atendimento tanto no COM, quanto nos Postos de Saúde da Prefeitura são atendidas, o que acaba sobrecarregando todo o sistema. “Devido à lei eleitoral não podemos fazer campanhas explicativas à população que, por vício ou costume ainda procura o CPM”, disse Chomatas, ao revelar que os postos de saúde da capital atendem mais de 20% da população que não é Curitiba.
Para o diretor geral do CPM, o ciclo não funciona bem assim. Ele deixa claro que o objetivo do CPM é o de realizar o encaminhamento do paciente e não tratá-lo. “Só que acabamos fazendo os dois, já que muitos pacientes voltam aqui por não encontrarem um atendimento rápido nas unidades de saúde”.
Para que o problema seja amenizado Cordero sugere que a Prefeitura passe a oferecer mais recursos extra-hospitalares, já que o centro atende muitas pessoas da capital. “O sistema está saturado e não sei até quando vamos agüentar. Devemos humanizar mais o tratamento e oferecer mais recursos”, desabafou o médico.
Matheus Chomatas explica que o atendimento ao portador de problemas mentais começa na unidade de saúde, onde ele é avaliado pelo médico clínico e recebe orientação para a seqüência do tratamento. Vinculando-se ao programa de saúde mental de Curitiba, que possui 45,5 mil inscritos, o paciente contará com os cuidados da equipe de saúde, medicamentos e ainda a visita dos agentes comunitários.
Chomatas observa que além das unidades de saúde, o sistema conta com pronto-atendimentos, ambulatórios especializados, centros de Atenção Psicossocial (Caps), hospitais-dia e hospitais psiquiátricos.
Jogo de empurra-empurra
No jogo do empurra – empurra quem acaba perdendo são os pacientes que necessitam de tratamento e, junto com seus familiares, são levados a uma verdadeira peregrinação em busca de assistência. . Na realidade, o quatro é triste, borrado e assustador. E ainda enfrenta a falta de leitos e a reforma psiquiátrica que, por um lado, apressou a reformulação dos hospitais, mas a política de remuneração decretou a inviabilidade da assistência, já que hoje não cobre mais do que o custo de um terço do custo por paciente. Há cerca de três anos e meio o Brasil promoveu a sua reforma psiquiátrica brasileira, através da Lei n o 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial. A legislação federal anterior era de 1934 e o projeto do deputado petista Paulo Delgado tramitou 12 anos no Congresso antes de ser aprovado.
Fechamento de hospitais
o Paraná, dos 170 núcleos ou centros psicossociais previstos, somente 26 foram construídos, sendo que cinco estão em completa consonância com o que preceitua as normas vigentes, o que inclui a manutenção de equipes multidisciplinares. O modelo apressou uma completa reformulação dos hospitais existentes no Paraná que, não por acaso, obtiveram índices ótimos ou excelentes na avaliação do Ministério da Saúde, conforme aponta o PNASH (Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS). Mas, a política de remuneração decretou a inviabilidade da assistência. De 27 hospitais existentes na edição da lei, apenas 16 sobreviveram no Paraná, sendo que alguns deles em processo de descredenciamento, fechamento ou redirecionamento de atividade. Os leitos passaram de cinco mil para cerca de 2,5 mil. O que pode ser suficiente, desde que implementada a necessária estrutura extra-hospitalar.