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Um calote criminoso no SUS

            Este artigo é um pedido formal para o Ministério Público atuar contra esse crime, exigindo que sejam pagos os recursos furtados

 

            A LEI nº 9.656 (artigo 32), de 1998, determinou que todos os procedimentos que usuários de plano de saúde fizerem no SUS (Sistema Único de Saúde) e que constarem de seus planos fossem ressarcidos pelas operadoras ao SUS mediante uma tabela (Tunep de 2000, que equivale à tabela do SUS), até hoje não atualizada pela ANS (Agência Nacional de Saúde).

 

            Isso não cobre o custo dos procedimentos, mas devolve recursos ao combalido sistema público de saúde, quando usado por cidadãos que pagam planos de saúde.

 

            O calote de R$ 1 bilhão das operadoras de planos de saúde ao SUS, comprovado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em contas de 2000 a 2004 (acórdão 1.146/2006), é apenas a ponta de um gigantesco iceberg, pois a ANS deixa ilegalmente -o que também foi comprovado pelo TCU- de cobrar dois terços do devido ao não computar nesse ressarcimento todo o uso que as operadoras fazem das internações nos hospitais públicos e dos serviços de alto custo ambulatorial (quimioterapia, diálise, ressonância etc.), como determina a lei nº 9.656.

 

            Se fizermos com esses números do Tribunal de Contas da União um cálculo estimativo, a complacência da Agência Nacional de Saúde e a usura das operadoras deixa de recolher ao Sistema Único de Saúde algo em torno de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão por ano.

 

            Há quatro anos venho delatando esse fato -no Congresso Nacional e na Comissão Parlamentar de Inquérito de Planos- sem sucesso, até que, em 2004, quando o governo derrubou minha medida de conversão que corrigia esse calote, alterando a medida provisória nº 148 do presidente da República, requeri oficialmente, com apoio da Comissão de Seguridade da Câmara, que o Tribunal de Contas da União começasse uma investigação a esse respeito.

 

            A resposta chegou agora, comprovando o que eu dizia. Para ter uma idéia, esses recursos são equivalentes a tudo o que tem sido gasto na saúde da cidade de São Paulo, com seus 11 milhões de habitantes. Esses recursos também são equivalentes ao dobro do que a emenda constitucional nº 29 acrescenta anualmente à saúde.

 

            Com esses recursos, poderíamos universalizar a cobertura com papanicolaou e acabar com a vergonhosa morte de 7.000 mulheres por ano de câncer de útero; poderíamos oferecer mamografia para todas as mulheres e diminuir no mínimo 6.000 mortes anuais por câncer de mama; poderíamos também reduzir a mortalidade materna pela metade e ainda sobrariam verbas para podermos socorrer os municípios que, embora tenham ficado com a responsabilidade pela saúde, ficaram cada vez com menos financiamento. Por isso, afirmo que esse calote é criminoso.

 

            As operadoras dizem que, se pagarem, vão à falência, mas não mostram seus cálculos atuariais, também com a complacência da ANS. É curioso uma empresa sobreviver, vender e ter lucros a custo de parasitar o sistema público e justificar desavergonhadamente essa apropriação indébita como uma necessidade.

 

            A ANS, inexplicável e ilegalmente, não cumpre a lei nº 9.656, e, ao cobrar apenas um terço do determinado, o faz tão ineficientemente que consegue pagamento de apenas 5,9% do cobrado, como comprovou o Tribunal de Contas da União.

 

            Como nada está sendo feito, quem paga com mortes, sofrimento, falta de acesso e demanda reprimida é o pobre usuário do Sistema Único de Saúde, que, apesar de ser maioria, não tem poder de pressão -nem sequer o tem para reclamar.

 

            Este artigo é um pedido formal, agora ao Ministério Público, para atuar tipificando esse crime, corrigindo para o futuro e exigindo o pagamento dos recursos furtados.

 

 

 

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI, 71, professor emérito da USP e professor titular aposentado da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é deputado federal pelo PFL-SP e presidente do Instituto Metropolitano de Altos Estudos. Foi secretário da Educação do município de São Paulo (2005-2006), secretário da Educação (1986-87) e da Saúde (1987-91) do Estado de São Paulo, presidente da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (1986-1992) e reitor da Unicamp (1982-86).