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A miséria de sempre

Levantamento da Unicef aponta que em 484 cidades do semi-árido, as crianças com menos de 2 anos estão correndo risco de morte por causa da desnutrição. Pais ainda não sabem usar os serviços de saúde pública

Na aridez de 484 municípios brasileiros, crianças com menos de 2 anos correm risco de morte por uma deficiência vergonhosa: a desnutrição. Relatório inédito do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apresentado ontem na 32ª Sessão do Comitê Permanente de Nutrição da ONU divulgou mapas do semi-árido que apontam a gravidade da miséria.

Em 34,3% das cidades que compõem a região, mais de 10% das crianças com até 2 anos estão muito vulneráveis, apresentando quadros de desnutrição aguda. O padrão da Organização Mundial de Saúde (OMS) considera aceitável um percentual de até 4%. Entre os municípios onde a falta de alimentos castiga a infância, está Guaribas, no Piauí, cidade em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou em 2003 o programa Fome Zero. Quase 18% dos meninos estão desnutridos.

Outro dado preocupante se refere à quantidade de consultas pré-natal realizadas pelas futuras mães: 75% das gestantes procuram o médico apenas quatro vezes em mais de 400 cidades. As consultas devem acontecer durante os nove meses de gravidez, e podem evitar, entre outros males, a desnutrição.

Desafio

A análise dos mapas permite concluir que o problema não está na falta de serviços de saúde. Tanto nos municípios onde há índices graves de nutrição quanto nos que as gestantes consultam-se poucas vezes, existem equipes dos programas Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da Família (PSF). “O desafio é saber por que os moradores não utilizam esses serviços. Como são cidades miseráveis, muita gente nem sabe de seus direitos. Acha que só poderosos podem ir ao médico”, observa Marie-Pierre Poirier, representante do

Unicef no Brasil.

Durante a reunião do comitê da ONU, representantes da sociedade civil e do governo discutiram formas de combater o problema. “O que acontece no semi-árido não é falta de recurso ou tecnologia. É falta de responsabilidade dos municípios”, criticou Odorico Monteiro, secretário de Saúde de Fortaleza e presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems). “O conselho e o Unicef estão realizando uma mobilização para os secretários que assumiram os cargos no dia 1º de janeiro. Temos que trabalhar a desnutrição numa perspectiva de atenção integral à saúde”, defendeu Monteiro.

Iniciativa

A representante do Unicef no Brasil diz que os programas sociais brasileiros são bons, mas questiona a ausência de resultados positivos em muitos municípios. “As pessoas têm de cobrar por conquistas práticas, não adianta só apresentar indicadores e estatísticas”, diz Poirier. Ela cita o exemplo do Ceará, estado onde a mortalidade infantil vem caindo nos últimos três anos, para afirmar que é possível transformar a realidade do semi-árido. “O Unicef estimula a troca de experiência entre municípios e estados. É preciso aproveitar as boas iniciativas.”

Para o secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, José Giácomo Baccarin, a estrutura miserável do semi-árido tem origens históricas. “O país enfocou seu desenvolvimento industrial no Centro-Sul, e o semi-árido, principalmente do Nordeste, ficou para trás. Mas a gente não tem como combater a seca, a gente precisa aprender a conviver com o semi-árido. Essa região tem condições de se desenvolver desde que as políticas sejam adequadas. Não há como fazer mágica. As coisas acontecem com o tempo”, diz.

Baccarin anunciou que o governo federal vai investir R$ 180 milhões no semi-árido este ano. Só na construção de cisternas serão aplicados R$ 68 mil. O ministério espera contemplar 250 mil pessoas, que passariam a ter acesso à água. O custo de cada cisterna é baixo para o benefício que propicia: com R$ 1,5 mil, é possível armazenar 16 mil litros de água potável.

A CIDADE MAIS VULNERÁVEL

Em Santo Amaro do Maranhão 82,4% das gestantes fazem menos de quatro consultas pré-natal e 29,43% das crianças com até 2 anos de idade estão com desnutrição aguda

Realidade árida

O semi-árido brasileiro reúne cerca de 1,5 mil municípios dos nove estados do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo, ocupando uma área de mais de 1,4 milhão de quilômetros quadrados.

Sua população é de 26,4 milhões de habitantes. Desses, 10,9 milhões têm de 0 a 17 anos, representando 41,3% da população da região.

A taxa de mortalidade infantil é superior à média nacional em 95% das cidades do semi-árido.

O percentual de crianças com menos de dois anos desnutridas é quatro vezes maior (8,3%) que na região Sul (2,3%).

Complicações perinatais, infecções respiratórias agudas e deficiências nutricionais respondem por 33,8% dos óbitos das crianças menores de 1 ano.

A desnutrição atinge mais de 10% das crianças com menos de 2 anos de idade em um terço dos municípios do semi-árido que são atendidos pelos programas Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da Família (PSF).

Em 426 municípios da região, 75% das gestantes realizam menos de quatro consultas pré-natal.

75% das crianças sobrevivem em famílias com renda menor que 1/2 salário mínimo por pessoa.

Quase a metade dos meninos e meninas do semi-árido (42%) não tem acesso à rede geral de água, poço ou nascente.

Em 38,5% das casas em que vivem crianças e adolescentes, não há rede geral de esgoto, fossa séptica ou rudimentar.

Cerca de 350 mil crianças e adolescentes, entre 10 e 14 anos, estão fora da escola.

Mais de 390 mil adolescentes são analfabetos.

No semi-árido, os alunos demoram 11 anos para concluir o ensino fundamental.

Menos de 3% das famílias com crianças e/ou adolescentes têm acesso a computador.

Uma a cada seis crianças de 10 a 15 anos trabalha.

Fonte: Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)