O choro é o som universal que marca o nascimento de um bebê. A forma como ele vem ao mundo, porém, varia conforme interesses da mãe ou decisões médicas. No Distrito Federal, a preferência pela cesárea preocupa especialistas. Dados da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) apontam o crescimento de 28,57% do número de partos cirúrgicos nos hospitais públicos, nos últimos cinco anos. Nesta semana, enquanto médicos debatem a ética na cesariana, mulheres são treinadas em São Sebastião para acompanhar o parto humanizado no sistema público de saúde.
De posse do exame que confirmou a gravidez, a servidora pública Cláudia Regina Dias da Rocha, 31 anos, começou a se preparar para que Júlia, seis meses, nascesse da forma natural. Fez ginástica para grávidas, cursos e treinamento com doulas – mulheres que ajudam outras no parto. O desejo de fazer força para Júlia nascer foi tanto que Cláudia conseguiu reverter a previsão médica de uma cesariana. Até a 33ªsemana de gestação, o bebê estava sentado, o que impede o parto normal.
”Fiz até acupuntura para ela virar e na semana seguinte a Júlia encaixou”, lembra, orgulhosa. O anúncio do parto começou com uma cólica leve, cerca de 24h antes. Orientada pelas doulas e pela ginecologista, Cláudia passou o dia em movimento. Na suíte de parto do Hospital Santa Lúcia, recebeu massagem da doula e aguardou sentada em um banquinho com abertura no assento: ”Foi muito rápido. Não durou nem vinte minutos”.
Cláudia teve momentos de insegurança. ”Depois de fazer muita força, me senti fraca e ameacei desmaiar. A doula olhou firme no meu olho e disse: ‘Não, você consegue”’, recorda. Hoje, com a risonha Júlia nos braços, ela comemora os benefícios de um parto normal tranqüilo. ”A sensação de fazer minha filha nascer foi maravilhosa. Poucas horas depois do parto, já estava bem para cuidar dela. Eu faria tudo novamente.” Mas nem sempre é assim.
Orientados pelo Ministério da Saúde, os médicos de hospitais públicos esperam o máximo possível para fazer uma cesariana, que consome mais verba. A recomendação é criticada pelo Ministério Público do DF. ”Toda semana, recebemos denúncia de parto normal malsucedido na rede pública. A mulher sofre nas emergências e eles retardam tanto a cesárea que o bebê também entra em sofrimento. Em alguns casos, termina até em morte”, afirma o promotor de Defesa dos Usuários de Serviço de Saúde, Diaulas Ribeiro. Ele defende que a mãe tenha o direito de escolher o tipo de parto.
A opção da bancária Lívia Singh, 32 anos, pelo parto normal, não pôde ser atendida. Ela teve de fazer cesariana no nascimento da segunda filha, Camila, cinco meses, por causa de uma hemorragia. Quem vê as duas abraçadas e brincando nem imagina que passaram 16 dias separadas após o parto. A mãe ficou entre a vida e a morte. A cirurgia desencadeou uma embolia pulmonar (coágulo no pulmão). ”Quando levantei para tomar banho, a vista escureceu. Senti uma taquicardia muito grande”, recorda Lívia, que ficou na UTI, longe dos filhos.
Casos como esse levam obstetras a recomendar a cesariana no pré-natal. ”Não indico sem necessidade, mas se a gestante me perguntar os pró e contras de cada um, dou minha opinião”, revela o ginecologista Antônio Fontenelle. ”Com os avanços da Medicina e da anestesia, a cesariana está muito moderna, além de prática. Sem falar nos problemas como incontinência urinária, causados por parto normal”, alega.
Em hospitais particulares, o índice de partos cirúrgicos chega a quase 90%, segundo a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília. Com receio da dor, as mães preferem ter os bebês com hora marcada. A relações públicas Daniela Barreto, 29 anos, agendou o nascimento de Catarina, de três meses. ”Nunca passou pela minha cabeça ter parto normal. Acho primitivo e desnecessário sentir tanta dor”, afirma. Sem fazer força alguma, ouviu o choro da filha em menos de 20 minutos.
Cirurgia tem riscos
O índice de cesarianas, que era de 24,50% nos hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 1999, subiu para 31,5%, este ano. Vice-diretor do Hospital Regional da Asa Sul (Hras) – referência de maternidade pública no DF -, Renato Maranhão Moreira estranhou o aumento. ”Somos orientados a fazer partos naturais. O índice deve ser motivado pela grande quantidade de pacientes do Entorno. Elas vêm sem pré-natal e com gestações complicadas. A cesárea fica inevitável”, afirma.
De acordo com o presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília, Antônio César Paes Barbosa, a entidade defende o parto natural. ”Por ser uma cirurgia, a cesárea apresenta mais riscos. É uma alternativa para casos isolados, quando o normal não é possível”, justifica. ”O normal é melhor. O corpo da mulher foi feito para isso”, defende a obstetra Geovanna Mendonça. A questão será debatida na Jornada de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília, que começa nesta quarta-feira, no Hotel Nacional, e termina na sexta.
O parto humanizado ganhará incentivo nos hospitais públicos. Começa hoje o treinamento de 12 mulheres na Casa de Parto de São Sebastião. A capacitação faz parte de projeto do Ministério da Saúde, com apoio da empresa Espaço Gen. As voluntárias serão doulas. ”Fazemos massagem, exercícios de respiração e alongamento”, conta a doula Renata de Souza. ”Nossa meta é dar mais segurança às mães em trabalho de parto. Queremos diminuir o número de cesarianas”, planeja a diretora da Regional de Saúde de São Sebastião, Cristiane Henriques.
Prós e contras
PARTO NORMAL
* Benefícios: recuperação rápida da mãe – normalmente algumas horas após o parto estímulo à produção de leite, facilitando a amamentação contração mais rápida do útero. maturidade do pulmão do bebê, que é massageado durante a passagem pelo canal vaginal
* Prováveis prejuízos mais demorado (em média 10 horas) sofrimento fetal intensidade de dores na mãe incontinência urinária da mãe depois de alguns anos
CESARIANA
* Benefícios rapidez (média de meia-hora) possibilidade de agendar indolor ausência de problemas urinários ao longo dos anos
* Prováveis prejuízos complicações cirúrgicas, como reações à anestesia recuperação mais lenta da mãe (média de 12 horas) bebê retirado antes da hora, quando há erro na marcação do parto risco de hemorragia
A HORA DA CIRURGIA
Casos em que a cesárea é necessária
Hipertensão arterial
Doenças da gravidez, como diabetes e eclâmpsia
Bebê em posição sentada
Falta de dilatação vaginal
Infecção urinária
Problemas cardíacos da mãe
Cordão umbilical enrolado no pescoço da criança
Pós-maturidade do feto: após a 42ªsemana
Fonte: Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia de Brasília