Há que se aplaudir: de fato, o governo federal reviu suas metas e promoveu uma reforma no modelo de tratamento a pacientes psiquiátricos – movimento inspirado no italiano e que, há mais de 30 anos, lutava pelo fim do isolamento desses doentes em grandes hospitais. Assistimos em 2001 à sanção de uma lei que coloca o princípio da internação como último recurso e intensifica a criação de centros comunitários – os CAPs. Sem falar do programa ”De Volta Para Casa”, de 2003, que dá um salário mínimo a quem deixou o hospital psiquiátrico. E também da preocupação demonstrada pelo Ministério da Saúde ao lançar há poucos meses portaria que alerta para a prescrição de certos antipsicóticos – remédios para a esquizofrenia – que podem causar graves distúrbios metabólicos.
Mas o que fazer com tudo isso? Todas essas ações compõem verdadeira carta de boas intenções. Mas é só. O que se vê na realidade é que o governo brasileiro está em vôo cego. Porque propõe soluções que não funcionam na prática.
O número de CAPs não dá conta da demanda: há cerca de 500 centros quando o próprio Ministério da Saúde reconhece que seriam necessários pelos menos 1.100. Faltam serviços e políticas de reinserção desses pacientes ao convívio social. Falta-lhes auxílio para buscar um trabalho. Falta-lhes transporte em caso de crise e lugar para internar quando preciso. Falta assistência às famílias. Falta, principalmente, tratamento adequado disponível na rede pública.
Esquizofrenia é palavra de ordem no discurso de várias pessoas – seja para ofender alguém, seja para criticar atitude alheia. Nem todo mundo tem consciência, no entanto, de que esta é, na realidade, uma doença crônica que acomete cerca de 1% da população mundial – o que, no Brasil, significa aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Geralmente apresenta os primeiros sinais na juventude ou na adolescência. Por isso e pela característica dos sintomas (entre eles, retraimento social, rebeldia, agressividade, isolamento, troca do dia pela noite), muitas vezes a doença é confundida com outros transtornos, como a depressão.
A maioria dos médicos custa a identificar esse paciente como um esquizofrênico. Há também o fator estigma das doenças mentais, que faz com que muitos familiares tenham dificuldade em reconhecer que têm um filho ou um parente com esquizofrenia. É sempre mais fácil dizer que se trata de crise da adolescência.
O custo disso para a sociedade é imensurável. Basta lembrar que, ao não tratar adequadamente um paciente esquizofrênico, estamos na verdade cortando pelo menos duas forças ativas – já que a situação exige acompanhamento integral a esse portador.
E o que seria de fato uma solução – tratamento adequado disponível na rede pública – não acontece. O governo alerta para antipsicóticos que causam efeitos colaterais gravíssimos, mas mantém esses medicamentos em seus postos de saúde. Pior: não inclui na lista de alto custo outros mais modernos que permitem a reinclusão social dos pacientes e uma melhora significativa dos sintomas da doença (tanto maníacos, como cognitivos e negativos). Isso sem causarem aumento de peso, diabetes ou outros problemas metabólicos, disfunção sexual e alterações cardiovasculares – que são itens que comprometem em muito a adesão dos pacientes e o sucesso do tratamento.
Portarias e outras intenções são boas, mas não são suficientes. O país precisa de ação, de estrutura para combater males crônicos como esse. Que matam. Precisa de campanhas de esclarecimento e de programas educacionais realizados em parceria com as associações de classe. A indústria não vai fazer esse papel. Essa é uma atribuição do governo.
O autor é Vice-presidente da Academia Nacional de Medicina e professor da Universidade de Nova York e da Escola de Saúde Pública de Paris