Na queda-de-braço para usar os recursos da Saúde nos projetos sociais – marcas de sua gestão -, a governadora Rosinha Matheus sofreu duas derrotas. O Ministério Público federal decidiu ontem ingressar na Justiça para exigir que o estado gaste o percentual mínimo na Saúde previstos na Constituição. O piso, segundo o MP, nunca foi cumprido. A Procuradoria Geral da República também esvaziou a iniciativa de Rosinha de derrubar a emenda constitucional 29, que fixa o limite mínimo de investimento, se manifestando contrário ao pedido da governadora. Em tese, o parecer abre caminho para as decisões judiciais contrárias às transferências das verbas da Saúde para a área social.
As três ações civis públicas do MP federal vão tentar estancar o deslocamento das verbas. O estado pode ser punido por desrespeitar a emenda 29. O limite mínimo exigido para este ano é de 10%, e, para o ano que vem, de 12%. O MP reagiu, em uma das ações, ao orçamento de 2004, aprovado em segundo turno anteontem pelos deputados. Uma das ações exige que, em 2004, Rosinha gaste todo o orçamento da secretaria em projetos diretamente ligados ao setor, contrariando o que os deputados aprovaram.
Na avaliação da procuradora Silvana Batini, que assinará as ações juntamente com a procuradora Mônica de Ré, o estado destinou recursos da Saúde para projetos sociais para tentar alcançar o percentual constitucional. Mas nem assim conseguiu.
– A governadora resolveu buscar a condescendência legal para seus atos, como se pudesse desrespeitar a Constituição federal – disse Silvana Batini.
A iniciativa do MP pode respingar nas gestões dos ex-governadores Anthony Garotinho e Benedita da Silva. Em outra ação civil pública, as procuradoras exigirão que a pasta da Saúde receba de volta os R$ 700 milhões que deixaram de ser investidos no setor em 2001 e 2002. Elas esperam a conclusão da execução orçamentária de 2003 para fazer a mesma exigência, por meio de outra ação civil pública.
Os secretários de Gabinete Civil, Francesco Comte, e de Integração Governamental, Luiz Rogério Magalhães, alegaram ontem que o estado vem cumprindo os limites impostos pela Constituição. Luiz Rogério lembra que 2003 ainda não acabou e que até lá o estado terá se adequado ao percentual. Segundo dados do Sistema de Acompanhamento Financeiro do estado, até 30 de outubro, o percentual gasto na Saúde era de 9%.
– A União não pode normatizar a utilização de recursos pelo estado. Apenas a transferência de recursos da União para os estados – disse o secretário.
Partidos anunciam ações na Justiça
As derrotas de Rosinha insuflaram a oposição, que anunciou uma enxurrada de ações na Justiça para tentar recompor as verbas da saúde. PT, PSDB e PV já anunciaram que seus diretórios nacionais vão argüir, no Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade da inclusão de projetos sociais nos gastos da secretaria. As ações têm como alvo as emendas constitucionais que abriram caminho para a manobra e o orçamento da Saúde para 2004, que foi aprovado com inclusão de projetos de saneamento básico e o pagamento de serviços da dívida do estado.
O parecer da Procuradoria Geral da República, assinado pelo vice-procurador-geral Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, não opina sobre o mérito da questão. Limita-se a dizer que a eliminação da emenda 29 não legaliza a manobra do estado, pela existência de outra portaria de conteúdo idêntico. Na Alerj, os efeitos do parecer, solicitado formalmente pela Justiça, foram minimizados pela bancada governista.
– O parecer não anula o que o governo está pleiteando e não vai provocar mudanças no orçamento – disse o relator da proposta orçamentária, Édson Albertassi (PSC).
Deputados sem data para estrear na telinha
Alan Gripp
Nem todo mundo reclama abertamente, mas foi só a TV Câmara entrar no ar para os deputados estaduais começarem a cobrar a presença dos holofotes. A ciumeira tem motivo: a TV Alerj é um antigo sonho da Casa, que sempre esbarrou nas restrições financeiras e agora, burocráticas. Ainda sem data para estrear, a programação, que dividirá espaço com o Legislativo municipal, começa timidamente a ser produzida. Ontem, uma equipe gravou as primeiras mensagens dos deputados. Para muitos, tarde demais.
– Nós demoramos muito. A Alerj tem que perder a vergonha de se comunicar – disse o líder do PMDB, Paulo Melo.
Hoje, a previsão mais otimista é iniciar as transmissões em fevereiro, quando termina o recesso dos deputados. Nos bastidores, alguns reclamam que a TV foi superdimensionada pelos colegas, e por isso atrasou. Além de transmitir as sessões, a idéia original é produzir programas sobre cultura, lazer e um telejornal. À frente do projeto, a petista Heloneida Studart contesta.
– Ao contrário da Câmara, fizemos uma licitação. E não vamos estrear daquele jeito, com a cadeira vazia – disse, referindo-se à trapalhada dos vereadores na estréia da TV Câmara, com o plenário às moscas.
Escalado pela presidência para acompanhar a implantação da TV, o deputado Leandro Sampaio (PMDB) diz que hoje o projeto é mais realista. E garante que a Assembléia terá prioridade de transmissão no canal 12 da Net:
– Primeiro a Alerj, depois as câmaras municipais. Em todo estado é assim.
Nove empresas participaram da licitação para produzir a programação da Alerj. Venceu a Digilab, que já comanda TVs nas assembléias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Por mês, a empresa vai receber cerca de R$ 340 mil.
Depois da estréia confusa da TV Câmara anteontem, os vereadores adotaram precauções ontem. O presidente Sami Jorge (PDT) chegou ao plenário às 13h30m, meia hora antes da abertura da sessão. Quando tinha que se ausentar, a imagem era substituída por outra congelada, da fachada do Palácio Pedro Ernesto, evitando que sua cadeira voltasse a ser exibida vazia. O plenário ficou lotado na votação do orçamento.
COLABOROU: Luiz Ernesto Magalhães
Saiba mais sobre o caso
O descumprimento dos percentuais constitucionais na área da Saúde contribuiu para uma decisão histórica do Tribunal de Contas do Estado (TCE): a rejeição, em conjunto, das contas de 2002 do ex-governador e atual secretário de Segurança, Anthony Garotinho, e da ex-governadora e atual ministra da Ação Social, Benedita da Silva. Um relatório aprovado pelo TCE apontou a falha.
A governadora Rosinha Matheus também foi orientada pelo tribunal, há um mês, a cumprir o limite mínimo, sob pena de também ter as contas rejeitadas.
Em setembro, a Assembléia Legislativa aprovou duas leis, de autoria do governo do estado, que tentaram legitimar a inclusão de programas sociais na conta do Fundo Estadual de Saúde (FES). A primeira liberou o estado para gastar 25% do FES em programas como a Farmácia Popular e o Cheque-Cidadão. A segunda, mais abrangente, criou o Programa Estadual de Assistência Alimentar, que inclui todos os programas sociais do estado na conta da Saúde.
As leis, no entanto, não driblaram a barreira constitucional: a emenda 29 obriga o estado a gastar o percentual integralmente em projetos de saúde.
Social ficou com 15 por cento da verba
Enquanto modificava a legislação para garantir a injeção de recursos do Fundo Estadual de Saúde nos programas sociais, a governadora Rosinha Matheus abriu a torneira das verbas para a área social. Segundo dados de 2003 que constam do Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafen), o governo gastou 15% dos R$ 973 milhões investidos teoricamente em saúde até ontem em programas que nada têm a ver com o setor. A governadora já gastou 47% do orçamento previsto para a Saúde este ano, que é de R$ 2,24 bilhões.
Do total, R$ 18,4 milhões foram gastos em projetos da Secretaria de Ação Social, R$ 3,1 milhões em programas da Fundação Leão XIII, R$ 10,5 milhões foram usados para pagar parcela da dívida do estado com a União, R$ 42,5 milhões foram aplicados na Uerj e R$ 11 milhões na Secretaria de Defesa Civil.
Os gastos com saúde este ano foram incrementados com verbas do Fundo Estadual de Combate à Pobreza: 26% dos recursos investidos no setor foram provenientes do fundo, criado no começo do ano.
– O uso do Fundo de Combate à Pobreza na saúde não é permitido pela Constituição – afirmou o deputado estadual Paulo Pinheiro (PT).
Os deputados, que receberam do Ministério Público estadual recomendação para emendar o orçamento e evitar a utilização de R$ 412 milhões da saúde em projetos como o Cheque-Cidadão e a Sopa da Cidadania, tentaram modificar a lei. Mas foi em vão. As emendas propostas pela oposição foram retiradas do relatório final e os destaques, apresentados na primeira votação, na quarta-feira, foram rejeitados pelo plenário.
Opinião: Mau começo
QUALQUER VEÍCULO de comunicação procura caprichar na estréia. A primeira impressão é sempre importante. Mesmo quando não se trata de um empreendimento de cunho empresarial, é aconselhável procurar atrair o público.
MAS COM a TV Câmara dos Vereadores foi diferente. Colocada no ar às 14 horas de quarta-feira, a emissora estreou com uma imagem carregada de simbolismo: o plenário vazio. Dificilmente poderia ter sido pior para os já desgastados inquilinos da Gaiola de Ouro.