O problema é financeiro, mas medida tem ainda o objetivo de provocar o debate sobre o papel dos hospitais universitários. O Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp) começa em janeiro a reduzir os atendimentos de baixa complexidade no pronto-socorro e nos ambulatórios, os chamados atendimentos primários. O PS, batizado agora de Unidade de Emergência Referenciada (UER), atenderá apenas pacientes graves encaminhados pelos sistemas de resgates em operação na região e pela Central Reguladora de Vagas da Divisão Regional de Saúde (DIR 12). A decisão tem três objetivos: reduzir custos, assegurar racionalidade ao sistema e garantir reforço no atendimento de pacientes clinicamente mais vulneráveis. Um quarto, menos tangível, tem relevância: reabrir a discussão sobre a vocação dos hospitais universitários do País.
“Quando o HC aceita um paciente primário, o hospital está, no limite, aceitando a desorganização do sistema de saúde”, afirma Ivan Toro, superintendente do HC da Unicamp. A instituição decidiu utilizar a prerrogativa que a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (SUS) faculta aos hospitais universitários: foco no atendimento de alta complexidade, terciários e quaternários, como transplantes de órgãos, cirurgias de epilepsia e em pacientes com câncer, entre outras. A decisão do HC-Unicamp, segundo ele, terá de ser seguida por outros hospitais universitários. “Se isso não for feito, estes hospitais estarão inviabilizados”, diz.
O HC da Unicamp fechará o ano de 2003 com uma dívida de R$ 5 milhões. O custo mensal do hospital (PS, unidade secundária, localizada em Sumaré, e o terciário, no campus da Unicamp) chega a R$ 11,5 milhões. Nada menos que 64% deste valor são custeados pela Universidade e apenas 36% pelos repasses do SUS. A situação financeira contribuiu para a revisão de foco. O pronto-socorro do HC opera hoje com um custo total de R$ 650 mil por mês, cerca de R$ 7,8 milhões por ano. O SUS paga ao PS apenas R$ 150 mil ao mês. Segundo números do HC, o pronto-socorro atende por dia cerca de 350 pacientes, 80% deles (210 pessoas) poderiam ser atendidas numa unidade primária, num posto de saúde, por exemplo. Toro afirma que a decisão do hospital não criará grandes problemas aos municípios. Os mais distantes já fazem a triagem antes de trazê-los até a Unicamp.
A maior dificuldade, segundo ele, está no atendimento dos pacientes de Campinas, especialmente da zona Norte da cidade. Dos 210 pacientes considerados casos simples, 140 poderiam ser atendidos nas unidades básicas de saúde do município.
Os prefeitos da Região Metropolitana de Campinas (RMC) acham que a alteração em janeiro deverá sobrecarregar as redes básicas de saúde e querem a revisão deste prazo, decisão que está nas mãos do reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz. Na semana que vem, os prefeitos voltam a discutir o assunto na Câmara Temática de Saúde da RMC e esperam o anúncio da dilação de prazo. Segundo Toro, a Unicamp admite conceder mais tempo para a mudança e adotar a regra gradualmente, mas desde que isso seja acompanhado de alguma proposta para reduzir o número de atendimentos básicos no hospital universitário.
A prefeitura de Campinas, Izalene Tiene, afirmou, por meio da assessoria, que a cidade “reconhece a vocação de hospital terciário”, mas acha que a mudança deve ocorrer paulatinamente. Campinas discorda da Unicamp. A cidade acha que a decisão sobrecarregará as 47 unidades básicas de saúde, estrutura que realiza 180 mil consultas e 200 mil exames por mês.
Redução de custos
Com a decisão de restringir o atendimento aos casos mais graves, o hospital espera uma redução deste custo. “Teremos os números corretos somente depois de implantar a medida, mas temos uma estimativa”, disse o superintendente. A estimativa indica uma economia mensal entre 10% a 20%, cuja geração está ligada a redução de exames como raio-x e hemogramas.
Isso já pode significar uma redução do déficit no custeio do hospital. De acordo com Toro, o problema central deste déficit é o perfil da dívida: a totalidade de curto prazo, algumas com vencimento de 30 dias. “Entre as medidas que estamos tomando está decisão de buscar um alongamento desta dívida junto aos fornecedores”, afirma o superintendente. A gestão desta dívida ocorre hoje a partir da antecipação de receitas do principal financiador, a universidade. A dificuldade é que este tipo de operação tem limites, não pode se estender por longo período.
Residência
A restrição para o atendimento de pacientes no pronto-socorro e nos ambulatórios a partir do próximo mês deverá contribuir, segundo avaliação da superintendência do hospital, para a formação dos estudantes. De acordo com Toro, são três aspectos relevantes que serão viabilizados com a mudança: entendimento do aluno sobre a melhor forma de gestão do hospital, acompanhamento dos custos de atendimento e possibilidade de acompanhar os procedimentos clínicos nos pacientes. O trabalho no pronto-socorro torna o processo de formação fragmentado, o que deixa de existir se o estudante puder acompanhar todo tratamento.