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Maioria dos municípios vive de transferências

Uma pesquisa do IBGE divulgada ontem mostra que, em 2000, quase 60% dos 5.507 municípios brasileiros tinham 85% ou mais de suas receitas provenientes de transferências de recursos, sobretudo da União e dos estados. Na Pesquisa das Informações Básicas Municipais, o IBGE mostra ainda que quanto menor o município, maior a dependência das transferências. O trabalho foi feito nos anos de 1998, 1999 e 2000.

– Isso mostra as disparidades regionais do país. Boa parte dos municípios é muito pobre. Neles, é difícil, por exemplo, cobrar IPTU em comunidades carentes e ter receita provenientes do ISS, já que há poucos serviços nessas localidades – disse José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas.

O economista ressaltou, entretanto, que a dependência dos municípios de transferência dos governos estadual e federal não deve ser vista como algo necessariamente negativo para o país.

– Esse tipo de coisa acontece no mundo inteiro. As cidades do norte do Canadá, perto do Pólo Norte, recebem muita transferência. E a antiga Alemanha Oriental está sendo reconstruída à base de transferências – disse Afonso, que ressaltou que a arrecadação dos municípios tem crescido.

Dezesseis municípios não têm qualquer arrecadação

De acordo com os dados do IBGE, há 16 municípios com 100% de dependência de recursos federais e estaduais. Ou seja, que não têm absolutamente nenhuma arrecadação própria. Doze deles são do interior do Maranhão. Mas o problema não se restringe às regiões Norte e Nordeste: dos 92 municípios no Rio, 25 têm no mínimo 80% de suas receitas provenientes de transferências.

Segundo José Roberto Afonso, em 1988, quando houve uma reforma tributária, a arrecadação dos municípios era apenas 0,6% do PIB. A projeção para 2003 é de que tal arrecadação aumente para 1,7% do PIB, praticamente o triplo.

– É claro que 1,7% é muito pouco, levando-se em conta que a carga tributária do país em relação ao PIB é de 38%. Mas houve um aumento bastante relevante de 1988 para cá, que mostra uma tendência. A arrecadação nos municípios é fundamental para que a população tenha melhores serviços da prefeitura – disse Afonso.

Transferências têm maior peso para cidades menores

Segundo os dados do IBGE, os repasses como FPM (Fundo de Participação dos Municípios), Fundef (Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), e ICMS respondem por 72% das transferências para os municípios.

Em termos de receita própria, os municípios da região Sudeste arrecadam 61% da receita tributária do país. Por isso, o FPM está mais presente na região Nordeste (32,5%) e nos municípios menores. No Sudeste, a participação é de 30,9%.

– As transferências operam no sentido de redistribuir os recursos para as regiões menos desenvolvidas do país, embora os municípios da região Sudeste recebam bastante transferência. Seu peso, no entanto, é bem menor do que em outras regiões – disse André Simões, economista do IBGE.

Segundo ele, se os municípios com mais de 500 mil habitantes respondem por 61% da arrecadação própria, as transferências têm peso maior nos municípios menores.

Na pesquisa, foram coletadas informações nas prefeituras de mais de 50 itens, subdivididos em blocos, de acordo com a receita arrecadada e as despesas efetuadas.

Mais dinheiro para saúde e educação

A pesquisa do IBGE sobre os municípios brasileiros nos anos de 1998, 1999 e 2000 mostra que houve mais investimentos em saúde e educação nas cidades. No período, a proporção dos municípios que investiram mais de 40% do orçamento com educação e cultura aumentou de 16% para 21%. A Região Nordeste deu um grande salto, e a proporção de municípios que gastaram mais de 40% nessas duas áreas subiu de 33% em 1998 para 40% em 2000. À exceção da Região Sul, as demais regiões mostraram crescimento na proporção de cidades com gastos em educação e cultura acima da média.

A pesquisa demonstra que, quanto à despesa per capita com educação, quanto maior é o município, menor o gasto por habitante com edução e cultura. Nas cidades de até cinco mil pessoas, 22% gastaram mais de R$ 250 por habitante. Já nas mais de 500 mil, a proporção foi bem menor: 3,5%.

Outro dado mostra que a proporção de municípios que gastaram menos de 25% do orçamento com educação e cultura caiu de 12,5% para 8,2%.

A pesquisa do IBGE traz também a indicação de aumento das despesas dos municípios com saúde e saneamento no período.

Em 1998, cerca de 15% dos municípios gastaram mais de R$ 105 por habitante, e 50,5% dos municípios gastaram até R$ 55 por habitante). O percentual dos que gastavam mais de R$ 105 subiu para 17,4% em 1999 e 29% em 2000.

De 1998 a 2000, houve mais investimento em saúde

Os municípios do Sudeste foram progressivamente aumentando seus gastos per capita com saúde e saneamento. Em 1998, 61,3% dos municípios da região gastavam mais de R$ 65 por habitante. A proporção subiu para 67,8% em 1999 e para 78,8% em 2000. O IBGE afirma que o estudo demonstra o esforço dos municípios de investir mais em saúde e saneamento.

De 1998 a 2000, revela o estudo, em todas as faixas populacionais houve aumento da concentração de cidades com gastos mais elevados nesses dois setores.

Ocorreu também uma queda na concentração de municípios nos níveis mais baixos de gastos. Os municípios mais populosos, com 500 mil habitantes, foram uma exceção.

Retrato da exploração política da miséria

O município fluminense que mais depende do repasse das receitas federais é, nunca por coincidência, o mais miserável do Rio: São Francisco de Itabapoana, no extremo norte do estado, tem 43,8% de seus moradores vivendo abaixo da linha de pobreza, ou com menos de R$ 79 por mês, quantia mínima para a aquisição de alimentos que possam suprir as necessidades calóricas básicas de um ser humano – 2.288 calorias/dia, conforme estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nestas eleições, a desgraça social da cidade se materializou no surgimento de uma moeda de troca ilegal. A duas semanas do primeiro turno da votação, a prefeitura decidiu fazer um recadastramento das pessoas que recebiam o Bolsa Família, pago pelo governo federal.

Mantendo-se com 96,6% de sua receita proveniente do governo federal, São Francisco de Itabapoana tem 43.544 habitantes (dado do Censo de 2000). Ao todo, 1.388 famílias do município recebem o Bolsa Família, desde outubro do ano passado, ao custo mensal de R$ 94 mil. Com indicadores sociais dramáticos como os do Nordeste, São Francisco, a 300 quilômetros da capital, transformou-se em símbolo do Fome Zero no estado, por ter sido o primeiro município fluminense atendido pelo programa. O lugar serviu também de cenário da exploração política da mais importante ação social do governo Lula.

Como a cota destinada à cidade era de 1.800 bolsas, a prefeitura decidiu fazer o cadastramento. Numa sexta-feira de setembro, convocadas pela Secretaria Municipal de Educação, mulheres pobres formaram uma imensa fila, ao longo do muro do Ciep Celso Martins Cordeiro, à espera do cadastramento. Algumas exibiam camisetas com o número 15, o mesmo que aparecia em adesivos e cartazes colados em carros na porta da escola. Quinze era o número do prefeito Pedro Cherene, reeleito pelo PMDB. Comunicado distribuído aos alunos da rede escolar convocou as famílias pobres do município para o cadastramento-relâmpago. Com o processo, a prefeitura abriu mão dos cuidados na fase de inscrição, principalmente a necessidade de checar os dados declarados.

A denúncia jogou luz sobre uma prática que se estendeu a outros municípios pobres. O programa social do governo transformou-se em moeda – o cadastramento era feito ante a apresentação obrigatória do título eleitoral. O governo, numa medida imediata, cancelou o benefício em São Francisco de Itabapoana para investigar o caso.

A economia da mais pobre cidade fluminense é frágil, depende da cana-de-açúcar e da fruticultura. Os peixes, a outra base da atividade econômica no lugar, praticamente desapareceram, deixando centenas de famílias de pescadores na miséria.

No Sudeste, mais esforço orçamentário

A Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE constatou que os municípios da Região Sudeste foram os que mais se esforçaram para manter um orçamento equilibrado e reduzir o endividamento. No Sudeste, o resultado do exercício (diferença entre receita e despesa) passou de 6,7% negativos em 1998 para 5,1% em 2000.

– Os municípios vêm fazendo um esforço de diminuir o gasto e gerar receita – disse Vânia Pacheco, técnica de pesquisa do IBGE.

Sudeste tem 61% das receitas tributárias

A Região Sudeste responde por cerca de 50% das receitas e despesas de todos os municípios brasileiros. Em relação ao total das receitas tributárias dos municípios brasileiros, os da Região Sudeste tiveram 61% no ano de 2000.

– Os municípios criam o maior volume de receitas próprias – ressaltou Vânia.

Quanto à Região Norte, em relação à receita tributária, só responde por 2,9% do total Brasil em termos de arrecadação própria.

– Quanto menos o município tem capacidade de gerar recursos mais ele necessita da transferências – disse Vânia.

A Região Sudeste tem população que corresponde a 42,6% do total da população brasileira, e 30,3% dos municípios brasileiros estão nela localizados. A região recebe 45,5% das transferências correntes.

O Estado de São Paulo respondeu sozinho por 38% das receitas arrecadadas do país, em forma de impostos e taxas, caindo para 30% do total das receitas disponíveis.

– Os dados de São Paulo mostram que, apesar da arrecadação em formas de impostos e taxas ser a mais alta da Região Sudeste, a receita disponível sofre uma queda por conta de um volume menor de transferências. Isso serve para dizer que as transferências são uma forma de redistribuição de recursos para os municípios do país – disse Vânia.