Corregedoria-Geral da União e Ministério Público Federal investigam possível superfaturamento em três contratos entre o Ministério da Saúde e os laboratórios Octapharma e LFB para compra de hemoderivados
R$179,4 milhões foram repassados pelo Ministério da Saúde aos laboratórios LFB e Octapharma de março de 2002 até o mês passado. Esse valor pagou o fracionamento de 269,1mil litros
Auditoria conjunta da Corregedoria-Geral da União e do Ministério Público Federal começou a investigar três contratos, em vigor desde dezembro de 2001, firmados entre o Ministério da Saúde e os laboratórios estrangeiros Octapharma e LFB. A suspeita é de que houve superfaturamento. O Octapharma tem como representante no Brasil o empresário Jaisler Jabour de Alvarenga, e o LFB, Marcelo Pupkin Pitta. Ambos foram presos pela Polícia Federal na Operação Vampiro. São suspeitos de integrar a máfia do sangue, que fraudou licitações para a compra de hemoderivados. Pelo Ministério da Saúde, o ex-subsecretário de assuntos administrativos, Ailton Lima Ribeiro, exonerado há duas semanas também em razão da investigação da PF, assinou os contratos.
Pelos termos dos contratos investigados, 20 hemocentros de 11 estados enviam plasma humano (parte líquida do sangue) de doadores brasileiros para os dois laboratórios, na França. O plasma é fracionado e volta para o Brasil em forma de hemoderivados. Até março deste ano, o LFB já havia fracionado 342,5 mil bolsas de plasma, gerando um total de 69,3 mil litros, segundo dados do Ministério da Saúde. O Octapharma, no mesmo período, fracionou 1,04 mil bolsas, ou seja, 199,8 mil litros de plasma.
De março de 2002 até o mês passado, o Ministério da Saúde repassou aos dois laboratórios R$ 179,5 milhões para fracionamento de 269,1 mil litros de plasma. Os três contratos foram firmados em dezembro de 2001 (de número 90, 91 e 92) e começaram a vigorar em janeiro do ano seguinte. Eles ficaram sob suspeita por causa da grande diferença entre os valores atualmente cobrados e os praticados no início da negociação.
Em 2002, quando o Brasil passou a enviar plasma humano para a França, os laboratórios cobravam US$ 229 por litro de plasma fracionado. No ano seguinte, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o preço caiu para US$ 224. Este ano, caiu ainda mais e ficou em US$ 214.
Gastos elevados
Desde que foi enviada a primeira remessa de plasma para o Octapharma e o LFB, o valor do litro fracionado foi reduzido em US$ 15. Se o preço praticado hoje fosse o mesmo que o cobrado desde 2001, o governo brasileiro já teria deixado de gastar US$ 3.248.900, o equivalente a R$ 9,7 milhões. ”O Ministério da Saúde também está investigando esses contratos. Se for atestada qualquer irregularidade, eles serão suspensos”, disse ontem João Paulo Baccara, coordenador nacional de sangue do Ministério da Saúde.
Segundo Baccara, o Ministério da Saúde não tem como suspender os três contratos porque os laboratórios não foram envolvidos diretamente. ”Até agora, só seus representantes foram envolvidos nas fraudes. Além disso, o Brasil precisa desses hemoderivados”, diz Baccara. Ele ressalta ainda que está a caminho do Brasil uma carga com quatro milhões de unidades internacionais de hemoderivados, enviadas pelo Octapharma.
De acordo com os contratos em questão, os laboratórios internacionais passaram a enviar cinco hemoderivados, usados em pacientes hemofílicos e portadores de HIV. São essenciais em grandes cirurgias e no tratamento de vítimas de queimaduras de terceiro grau. ”Como o Brasil não tem fábrica de hemoderivados, o governo acabou refém desses laboratórios”, atesta o presidente da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, Dante Langui.
A máfia do sangue foi descoberta pela Operação Vampiro da PF no dia 19 de maio, resultando na prisão de 17 pessoas. Pelos cálculos do Ministério Público Federal, as fraudes envolvendo hemoderivados já desviaram até agora dos cofres públicos R$ 2,3 bilhões. As investigações dos contratos do Ministério da Saúde estão centralizadas no quarto andar do edifício-sede, onde o acesso é restrito. Até os funcionários estão impedidos de transitar por lá. Procurados pelo Correio, os representantes brasileiros da Octapharma e da LFB não retornaram os telefonemas e os e-mails enviados.
Juiz mantém vampiros na cadeia
Sandro Lima
Da Equipe do Correio
O juiz da 10ª Vara Federal, Cloves Barbosa de Siqueira, decidiu aceitar o pedido de prisão preventiva dos empresários Jaisler Jabour de Alvarenga, Lourenço Rommel Peixoto e Laerte Corrêa, feito pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF). Dois deles, Jabour e Lourenço Rommel, permanecerão na cadeia. Laerte Corrêa, que já havia sido solto, terá de voltar à carceragem.
A prisão temporária dos dois acusados de integrar a máfia do sangue terminaria à meia-noite. Se o pedido da PF não fosse aceito pela Justiça, Jabour e Rommel poderiam ser liberados.
O juiz Cloves Siqueira havia negado pedido da PF e do MPF para que a prisão temporária de outros 11 suspeitos fosse transformada em preventiva. Eles foram liberados na madrugada do último sábado, depois de dez dias detidos.
O procurador da República Gustavo Pessanha entrou com novo pedido de prisão preventiva para os suspeitos já soltos. A PF teme que alguns integrantes da quadrilha fujam do país ou atrapalhem a investigação.
As supostas fraudes realizadas pela máfia do sangue na compra de hemoderivados levaram o PSDB e o PFL a articular a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades no Ministério da Saúde. Em Recife, sete vereadores assinaram requerimento de instalação de uma CPI para investigar a passagem de Luiz Cláudio Gomes da Silva como diretor administrativo e financeiro da Secretaria de Saúde no período de janeiro de 2001 a agosto de 2003.
Outro problema enfrentado por Costa é a denúncia de que ele contratou sem licitação duas empresas de serviços gerais e vigilância no período em que foi secretário de Saúde do Recife. As duas empresas fizeram doações para a campanha de Costa ao governo de Pernambuco em 2002. Em nota, o ministro nega as acusações e diz que a dispensa de licitação está prevista em lei.
Escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal levantam a suspeita de que o atual subsecretário de Assuntos Administrativos, Ivan Batista Coelho, pode ter vazado informações sobre a aquisição de medicamentos emergenciais para atender vítimas de enchentes no Nordeste. Coelho, responsável pela área de compras do ministério, é citado três vezes em conversas de supostos integrantes da máfia do sangue, sendo duas delas relacionadas ao vazamento.
LFB impedido de negociar
O representante brasileiro do laboratório francês LFB, que mantém contrato com o Ministério da Saúde para fracionamento de plasma humano, está impedido de operar no Brasil desde março deste ano. Ainda assim, o contrato firmado com o governo federal em 2001 continua em vigor. Desde março de 2002, o LFB fracionou 69,3 mil litros de plasma humano e recebeu por esse serviço cerca de R$ 46,2 milhões.
Para enviar plasma brasileiro para França, o LFB contratou a Fundação do Sangue, com sede em São Paulo e de propriedade de Marcelo Pitta. Em março, Pitta pediu uma vistoria do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo para mudar o escritório de nome e endereço. Uma equipe de inspeção visitou a representação, que hoje tem o nome de Panamérica, e atestou que a empresa não tem condições para armazenar plasma. ”Por que o registro para essa importação de plasma está com uma empresa privada?”, questiona a diretora do CVS, Marisa Lima Carvalho.
No Diário Oficial do dia 5 de março, o CVS suspendeu o registro da empresa de Pitta alegando que ”a empresa não tem condições satisfatórias para cumprimento das normas de importação e exportação de medicamentos”. O escritório de Pitta terá de recolher todos os hemoderivados distribuídos até agora no Brasil. Só na Câmara Fria do Almoxarifado do Ministério da Saúde, há 17 mil unidades de hemoderivados enviados pelo LFB. (UC)