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O SUS e o Brasil ainda têm cura

Criado pela lei 8080 de 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido para colocar em prática um dos princípios básicos da Constituição de 1988 e uma das condicionantes fundamentais para se garantir cidadania e dignidade: o direito universal à saúde. No entanto, passados 16 anos, por ineficiência estrutural e governamental, continua muito longe de atingir o seu principal objetivo.

 

Sofre com a insuficiência de investimento e com outro problema fundamental: o gerenciamento de comando único e de execução capilarizada em 5.560 municípios.  Infelizmente falta muito para termos, de fato, um sistema universal, integral e equânime. O financiamento insuficiente e estrangulador, além de inúmeros entraves para a implantação firme e continuada do SUS, devem ser enfrentados com coragem e sem ranços partidários. Nenhum homem público responsável pode permitir que a Federação, os estados e municípios continuem desviando para outras rúbricas, na maior desfaçatez, dinheiro legalmente vinculado ao atendimento à saúde pela Emenda Constitucional 29, a exemplo do que ocorreu com o Bolsa-Família, ou outros programas assistenciais. Quanto à Emenda,  o ex-ministro da Saúde, Saraiva Felipe, denunciou por diversas vezes que 20 dos 27 Estados da Federação não cumpriram o estabelecido no ano passado.

 

Por isso, neste momento, a grande luta de todos os agentes de saúde é romper com o imobilismo do Congresso Nacional, pressionando-o para regulamentar urgentemente a Emenda 29. Essa normatização definirá exatamente o que são gastos em saúde, garantirá mais recursos ao setor e, simultaneamente, abrirá as portas para que sejam acionados legalmente e devidamente punidos aqueles que desviam dinheiro do atendimento aos cidadãos.

 

O SUS se configura como o maior e mais audacioso programa de saúde pública do mundo, responsabilizando-se, teoricamente, pelo atendimento de 180 milhões de brasileiros. São 2,21 bilhões de procedimentos e 12 milhões de internações por ano em uma rede de 6.200 hospitais vinculados e 63 mil unidades ambulatoriais. É, com certeza, o maior e mais completo modelo de inclusão social da América Latina e dos países emergentes.

 

Na prática, 140 milhões de cidadãos são completamente dependentes dos serviços públicos de saúde. Os outros 40 milhões que pagam medicina suplementar têm o direito de se valer dos serviços do SUS quando desejarem, ou quando seus planos de saúde se recusam a cobrir certos procedimentos, geralmente os mais caros.

 

Se não contar com a mobilização da sociedade, infelizmente o SUS corre o risco de não sobreviver dentro dos princípios estabelecidos pela Constituição da forma como vem sendo gerenciado. Pode-se dizer que a conquista maior ocorreu quando se garantiu no texto constitucional o arcabouço de um sistema de saúde universal e promotor de inclusão. Contudo, a construção desse modelo ainda está em início de obras. E o governo, nunca é demais repetir, deveria ser ator importante nessa construção. Tanto para impedir desvios no setor, como no caso do descumprimento de parte da legislação que define a parcela de financiamento mínimo ao SUS como no sentido de elencar políticas voltadas à sua consolidação. Isso impedirá não só prejuízos à grande maioria da população, mas também o desgaste da imagem de um sistema público que já carece de amplo apoio de boa parte da sociedade.

 

O estado brasileiro precisa urgentemente colocar ordem no segmento de saúde, assumindo as rédeas como financiador e regulador, sem impedir que o setor privado continue desempenhando o seu relevante papel para a saúde da nossa população. Isso, com certeza, será um eficaz e importante passo no sentido de transformar e consolidar de vez o sistema, garantindo condições adequadas de saúde ao povo brasileiro e um futuro melhor para todos.

 

Eleuses Vieira de Paiva, ex-presidente da Associação Médica Brasileira