O governo da Grã-Bretanha recebeu duras críticas ontem por não divulgar a lista dos cinco países que importaram derivados de sangue britânicos contaminados com a variante humana do mal da vaca louca. O número de nações que compraram esses produtos, no entanto, pode ser maior. De acordo com uma reportagem do jornal The Times, a Grã-Bretanha teria exportado o material, no fim da década de 90, para pelo menos 11 países, entre eles o Brasil, a Rússia, a Índia e a República da Irlanda.
Na semana passada, autoridades britânicas alertaram os governos dos cinco países onde o perigo é maior, mas se recusaram a divulgar os nomes, sustentando que cabe a eles tomar as medidas necessárias. O governo brasileiro foi informado sobre a suspeita de contaminação de hemoderivados na quinta-feira passada pela embaixada britânica. Segundo o Ministério da Saúde, ainda não há evidências de que o país tenha comprado produtos infectados, mas o caso está sendo investigado.
Dois produtos estão sob análise. Um deles é o fator 9 Replenine VF 500, lote FJM 4437, exportado pela empresa Bio Products Laboratory (BPL) em novembro de 1995. Já se sabe que o governo federal não comprou lotes suspeitos. O outro produto investigado é a imunoglobulina Vigam, dos lotes de 20/1/1997, 14/3/1997 e 5/1/1998. Até ontem à noite, o ministério não sabia se o produto havia entrado no país – isso porque ele é comprado pelos estados.
Para a secretária da Fundação da Forma Humana da Encefalopatia Espongiforme Bovina (nome técnico do mal da vaca louca), Frances Hall, a Grã-Bretanha está sendo irresponsável ao omitir os cinco países em risco. ”Esses países devem ser identificados. Eles podem ter exportado produtos sangüíneos contaminados. O povo precisa saber quem são eles”, afirmou Hall.
O Ministério da Saúde britânico informou que seis outros países importadores não receberam produtos com risco real de contaminação ou receberam e não os usaram. Os derivados de sangue exportados foram doados por nove pessoas que morreram da variante humana da vaca louca, chamada de doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD, sigla em inglês).
Novos casos
O alerta foi dado após a ocorrência de dois casos do mal entre britânicos, descobertos no ano passado. A infecção teria ocorrido por meio da transfusão de sangue. O governo da Grã-Bretanha enviou cartas de aviso a seis mil cidadãos – em sua maioria portadores de hemofilia e alguns pacientes com problemas no sistema imunológico – possivelmente contaminados.
As autoridades enfatizaram, no entanto, que o risco de contaminação é muito pequeno e restrito a quem teve acesso a esses derivados de sangue antes de 1999, quando medidas mais rígidas de segurança passaram a ser tomadas. Segundo os cientistas do governo, os plasmas doados e possivelmente contaminados foram diluídos e misturados com os de outros milhares de doadores, o que reduz muito o risco de transmissão.
”Os perigos são desconhecidos, mas estudos feitos com animais sugerem que o processo de fracionamento envolvido na produção de derivados de sangue elimina o agente causador da doença”, explicou a médica Christine Lee, do Centro de Hemofilia do Royal Free Hospital, em Londres. Lee afirmou ainda que o fato de só terem aparecido 145 casos da doença entre os seis mil hemofílicos do país mostra que os riscos de contaminação pelo sangue existem, mas são muito pequenos.
Pesquisas
Não há testes para identificar vestígios da síndrome no cérebro. Assim, quem suspeita que adquiriu a doença não tem como confirmar a contaminação. Cientistas do governo britânico dizem que são necessárias mais pesquisas sobre o assunto. As pessoas pertencentes a grupos de risco foram orientadas a não doar sangue e a informar a médicos e dentistas se precisarem se submeter a tratamentos no futuro. A Grã-Bretanha parou de exportar hemoderivados em 1999, em função da doença.
para saber mais
Ameaça de epidemia
O mal da vaca louca é o nome popular dado à encefalopatia espongiforme bovina (ou BSE, na sigla em inglês). A doença degenerativa é provocada pelo acúmulo de tipos defeituosos da proteína príon no cérebro. Essas proteínas – existentes nos carneiros e nos humanos – atingem o sistema nervoso central do gado adulto e progridem lentamente. O gado afetado apresenta perda de equilíbrio e enfurecimento. Daí o termo ”vaca louca”.
A variação que atinge o homem é chamada de doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD), em homenagem ao cientista que descobriu o mal na década de 20. A ingestão de carne contaminada ou o contato com sangue do gado doente podem infectar o ser humano. A doença é incurável e mortal.
Os primeiros casos foram detectados em 1986, em vacas e bois britânicos. Eles haviam sido contaminados depois de ingerir rações compostas por partes de carcaças de carneiros com príons modificados. Uma década depois, o país registrou a versão humana da doença.
O auge do mal da vaca louca ocorreu em 1993, quando mais de mil casos eram identificados por semana. O governo britânico foi acusado de ter negligenciado o problema. Como a doença tem uma progressão lenta, levando até dez anos para a pessoa manifestar os sintomas, muitos acreditam que uma epidemia de CJD ainda está por vir. Mais de 150 pessoas já foram vítimas da CJD, a maioria na Grã-Bretanha.