O processo de atualização de contratos de planos de saúde antigos pelo caminho da migração mostrou-se um fracasso tão significativo que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu enterrar a idéia. O incentivo para que os usuários troquem seus contratos anteriores a 1999 (quando não havia legislação para o setor) será relançado, mas as operadoras não vão mais definir quanto será o aumento nas mensalidades de quem resolver aderir.
A ANS, que regula o mercado de planos de saúde, deve apresentar um novo programa de incentivo à atualização dos contratos até o início de 2005. ”A migração não emplacou. Para essa parte do programa já há uma avaliação, tanto do mercado, quanto dos consumidores e da própria ANS, de que ela não deu certo”, afirma o diretor-presidente da agência, Fausto Pereira dos Santos.
O programa atual de incentivo prevê duas fórmulas de atualização dos contratos: adaptação e migração (veja abaixo). Na primeira as mensalidades podem ser reajustadas em 15%, em média, com picos de 25% em alguns casos – algumas operadoras pediram à ANS um índice ainda maior, mas nenhuma foi autorizada. Na migração não há teto, cada operadora calcula o reajuste que julgar mais conveniente.
Como a migração só pode ser utilizada em carteiras de planos com desequilíbrio financeiro (com custos de atendimento superiores a 90% da arrecadação com mensalidades), algumas operadoras apresentaram aos clientes propostas com aumentos de até 400% na conta mensal. Para a ANS e órgãos de defesa do consumidor, o objetivo dessas empresas era recuperar a defasagem de valores nos 15 anos, ou mais, de vida média desses planos de saúde.
Proteção
Parte das empresas, em especial as seguradoras, justifica os reajustes apresentados por determinações da própria ANS – é que a agência proíbe que sejam vendidos contratos novos com descontos superiores a 20% sobre o preço de custo do plano de saúde. A medida da ANS visa proteger os consumidores da armadilha de adquirir um plano muito barato, mas que não tem como se sustentar – o que causaria um problema maior pela incapacidade de solvência.
A agência, porém, refuta o argumento das empresas. ”Não se pode comparar uma carteira de 15, 20 anos, sobre a qual a empresa tem profundo conhecimento, com uma nova, que estará sendo vendida amanhã ou depois e não se sabe nem quantas pessoas vão aderir. Até porque naquela época não havia regulação e esses planos podem ter sido subprecificados para atrair consumidores”, afirma o diretor-presidente da ANS.
As operadoras sustentam que os problemas da migração aconteceram em planos que, comparados ao mercado atual, são muito baratos para o serviço que oferecem. Com mensalidades que variam, em geral, entre R$ 300 e R$ 600, esses planos são de reembolso livre em sua maioria. Ou seja, os usuários vão ao médico ou hospital que preferirem e a operadora devolve todo o dinheiro gasto, além de também oferecerem uma rede credenciada de alto nível.
Esses planos foram criados na segunda metade da década de 80, quando a inflação alta garantia lucros formidáveis num setor que recebe adiantado, mas só tem que desembolsar os valores 30 ou 60 dias depois. Por isso, mesmo nas empresas há quem reconheça que para esses clientes não há nenhuma vantagem em aderir à migração.
Acordo
O relançamento do programa de incentivo à atualização de planos de saúde depende de um acordo que está sendo costurado pela ANS e as operadoras. A idéia é definir uma fórmula para os reajustes futuros nas mensalidades dos planos antigos.
Até o ano passado, mesmo planos comprados antes de 1999 – portanto antes da lei específica que regula o setor – vinham seguindo a mesma orientação da ANS para reajuste de mensalidades. Mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal determinou que a agência não poderia fixar os índices para planos adquiridos antes da lei, pois os contratos deveriam ser respeitados.
Como resultado, algumas empresas apresentaram este ano aumentos de até 81% e a questão foi parar nos tribunais. A ANS calcula que em 90% dos contratos antigos não existe uma cláusula clara sobre aumentos anuais ou utilizam índices que não mais existem. Nesses casos, segundo a ANS, deve prevalecer o percentual fixado por ela para os planos novos. Decisões judiciais mantiveram esse entendimento.
Assim, quatro operadoras foram multadas (ao todo, R$ 160 milhões) porque apresentaram aumentos maiores que o fixado pela ANS (11,75% para 2004) e outras 20 foram autuadas. As empresas recorreram da decisão, mas ao mesmo tempo discutem com a agência o conteúdo de um termo de ajustamento de conduta, que se assinado significa um perdão das multas. Mas esse perdão só acontece se o termo for assinado antes da ANS julgar os recursos apresentados, o que deve acontecer até a segunda metade de novembro.
Com a definição de uma fórmula para os próximos aumentos nos planos antigos, a ANS quer discutir o novo programa de incentivo com os órgãos de defesa do consumidor. Afinal, foi um processo movido por um desses órgãos que paralisou o programa por um mês e meio.
Legislação é de 1999
Em 1999 entrou em vigor uma legislação específica para planos de saúde (Lei 9.656/98). Até então o mercado não tinha regulamentação – apenas as seguradoras. Foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que passou a definir o índice de reajuste anual dos contratos.
Em agosto do ano passado, em ação proposta pelas operadoras, o Supremo Tribunal Federal determinou que a ANS não poderia fixar índices de reajuste para planos de saúde anteriores a 1999, quando começou a valer a regulamentação do setor. Para superar essa limitação, a ANS criou o Programa de Incentivo à Adaptação de Contratos, obrigando as empresas a oferecerem formas de transformar planos antigos em novos.
Os problemas surgiram na migração, onde não havia limite de reajuste. Algumas propostas aos clientes previam aumento de até 400% nas mensalidades, o que provocou dezenas de ações na Justiça. Em 30 de junho, uma liminar suspendeu o PIAC em todo o país. Um mês e meio depois, em 12 de agosto, a liminar foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o programa foi reativado.