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Reportagem “Exame da Saúde”: Insatisfação geral

O Jornal Nacional começou nesta semana uma série sobre a saúde no Brasil. Ao longo da semana, os repórteres Carlos Dorneles e Fernando Ferro vão mostrar a rede de relações entre hospitais particulares, médicos, empresas que oferecem planos de saúde, o governo e os 38 milhões de brasileiros que tentam fugir das filas do SUS.

São relações complexas, repletas de queixas de todas as partes. E os cidadãos estão no meio do tiroteio. No sistema público, eles enfrentam a espera pelo atendimento, que pode levar meses. E na saúde suplementar, podem encontrar obstáculos surpreendentes nos momentos mais difíceis.
Foi por pouco. Seu Benedito fez uma cirurgia delicada nos rins. “Eu estive entre a vida e a morte”, conta ele.

A operação de Dona Cristine foi para tirar a vesícula. “Eu nem acredito que estou viva ainda”, comemora ela.

Pelo SUS, o Sistema Único de Saúde, Seu Benedito diz que teve atendimento de primeira. “Eu estou tomando antibiótico de terceira geração. São remédios muito caros, segundo a informação que tive”, diz.

A recuperação de Dona Cristine foi complicada. Ela teve infecção grave. Ficou 70 dias na UTI. Era exame atrás de exame. “Tudo pelo plano. Não paguei um tostão”, garante.
Seu Benedito e Dona Cristine só tiveram que se preocupar com a doença. Nem sempre é assim.
Sertão do Piauí. A despedida, sempre emocionada, é cada vez mais freqüente. Seu Francisco (foto) vai ao médico, a quase três mil quilômetros de casa. Uma longa viagem de carona, de caminhão.
Para Sheila foi bem mais fácil. Toda vez que precisou, teve assistência médica do plano de saúde. “Sempre que eu sabia que tinha um médico aqui ou lá, eu procurava esse médico”, conta ela.
Nove anos convivendo com uma estranha dor nas costas. A professora deixou o emprego, em Águia Branca, norte do Espírito Santo, para se operar com um especialista em Belo Horizonte. Fez uma segunda cirurgia em Vitória. O médico descobriu que ela tinha um tumor.
“Ele viu que não tinha como retirar. Fechou, colheu o material e constatou que fosse um lipoma, mas um lipoma não conhecido por eles”, explica Sheila.
A doença de Seu Francisco é coisa comum. Mais de três milhões de brasileiros têm a Doença de Chagas. Ele atravessou grande parte do país para chegar ao Hospital das Clínicas, em São Paulo. É mais um a engrossar as filas do SUS.
“Eles marcam o exame para três, quatro meses. Quando você faz aquele exame, é mais um mês para receber o resultado”, queixa-se ele.
Um ano de espera por uma cirurgia pelo SUS. Seu Francisco tem que fazer bico como pedreiro. Mas, a cada dia, fica mais difícil trabalhar. A Doença de Chagas atacou o esôfago. Ele nem consegue mais se alimentar direito. O dia de ir ao médico é sempre dia de ansiedade.
“Cada vez que vou é com a esperança de que ele vai me chamar e que eu já fique internado”, diz ele.

Seu Francisco, na saúde pública. Sheila, com plano particular. Sem filas, sem demora, ela também chegou a São Paulo. Ao Hospital do Câncer, especializado em casos raros, como o dela.
“A cirurgia estava marcada, já tinha passado pela avaliação do anestesista. Era só eu chegar e me internar”, lembra a professora.
Pois veio aí, na última hora, a má notícia: em uma carta, o plano de saúde negou o atendimento. Alegou que o contrato não previa internação naquele hospital. Mas, no contrato, o Hospital do Câncer não está na lista dos excluídos.
“Fiquei meio desesperada. Afinal, foram nove anos procurando um especialista que achasse solução para o meu caso”, conta Sheila.
Histórias de brasileiros e eles não são exceção. Na fila do SUS ou na briga com o plano de saúde, o paciente é sempre o lado mais frágil. Mas o descontentamento, esse é geral.

A lei que regula os planos virou guerra na Justiça. Os usuários reclamam. Os planos dizem que vão quebrar. “A regulamentação penalizou, sim, os planos de saúde”, acredita Arlindo de Almeida, presidente da Abrange.
A Agência Nacional de Saúde não concorda. “O que na verdade a lei 9656 fez foi dar uma disciplinada na proliferação de planos que não faziam a cobertura integral de assistência”, observa um representante da agência.
Os hospitais privados dizem que devem mais de R$ 10 bilhões e que o SUS paga muito pouco.

“Se nada for feito, todos caminharemos conjuntamente para um suicídio coletivo, essa é a realidade”, critica Adriano Londres, do sindicato dos Hospitais do Rio. “Se não houver minimamente ações voltadas para o equilíbrio desse sistema, ações de curto, médio prazo, a qualidade assistencial será afetada”.
Seu Francisco continua na luta. Sheila, para resolver seu problema, precisou entrar na Justiça. Só com uma liminar conseguiu ser operada.
“Na verdade, a gente não quer brigar com ninguém. O que a gente quer mesmo é resolver um problema de saúde urgente”, esclarece ela.

Em quase um ano de espera, Seu Francisco voltou três vezes para casa, no Piauí. Só pelo tempo de ajudar na roça. A família já começava a desanimar.
Da última vez, ele partiu com uma promessa de internação e a viagem para São Paulo não seria em vão: ele foi operado na última quinta-feira e passa bem. (Jornal Nacional-17.05)