Depois de uma autêntica “batalha” para passar no vestibular de Medicina, concorrendo, em média, com mais de 70 candidatos; freqüentar aulas em período integral por seis anos; e se dedicar exaustivamente em plantões intermináveis; chega a hora de o médico passar pela residência médica, uma das fases mais difíceis da sua profissão. Nessa etapa, depois de concorrer novamente com um grande número de colegas com os mesmos objetivos, o médico recém-formado passará mais um período estudando e trabalhando, agora sob a supervisão de especialistas, conhecidos como preceptores.
O período de residência médica é tão estressante que diversas universidades estão preocupadas com a situação. Algumas delas até prestam serviços especializados de auxílio psicológico aos residentes. Patrícia Carla Zanelatto Gonçalves, residente de clínica médica do Hospital Cajuru, diz que os primeiros meses da residência são os mais estressantes e tumultuados. “O médico tem que se adaptar a uma nova rotina e deixa de ser um espectador para se tornar atuante, com muito mais responsabilidade”, salienta.
Na verdade, conforme muitos residentes, a ansiedade começa no sexto ano de graduação, época em que o acadêmico deve escolher e direcionar os seus estudos para uma área específica de atuação. “Os exames são muito concorridos, por isso a preparação chega a ser extenuante”, diz Patrícia. Para os candidatos que não conseguem aprovação, resta tentar novamente no próximo ano ou buscar a sorte em hospitais de outras regiões, muitas vezes de menor expressão ou em especialidades que não seriam a sua primeira escolha. Ou, ainda, começar a atuar como clínicos, postergando a intenção de se tornar especialistas.
Aqueles que superam esse obstáculo começam uma fase complicada, que é o primeiro ano da residência, conhecida nos hospitais por R1, período em que, segundo os próprios residentes, eles mais se cansam, devido às muitas horas passadas nos plantões noturnos e de finais de semana. É nesse período que eles experimentam sensações conflitantes: primeiro, uma certa euforia por estar fazendo o que sempre sonharam, depois a sensação de insegurança devido ao acréscimo de responsabilidades. Nessa fase, o residente percebe que não poderá ter em mãos todo o material e exames que gostaria, que as vagas para internamentos são disputadíssimas e que o paciente, via de regra, não pode comprar o medicamento de “última geração” por ele receitado.
No R2, maior responsabilidade
Para Giselle Mendes, médica residente em pediatria do segundo ano de residência (R2) do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, nessa fase os plantões diminuem, mais a responsabilidade aumenta. O nível de estresse pode até variar de acordo com a especialidade, mas é difícil algum residente concordar com isso. Todos são unânimes em afirmar que a “sua” residência é tão estafante quanto as outras. Na pediatria, por exemplo, Giselle conta que tem que conviver com situações estressantes que envolvem, muitas vezes, as mamães mais nervosas. Também é nessa fase que o médico começa a ter contato com outra questão angustiante: falar com os pacientes sobre a gravidade de sua doença ou informar aos familiares sobre óbitos. “É uma situação angustiante, mas nós já sabemos que temos que passar por isso”, observa Giselle, que já teve que informar o óbito de crianças do ambulatório.
Segundo os preceptores, quando o residente começa a reconhecer suas conquistas e realizações é que começa uma fase de maior satisfação e confiança. Com ela, vem uma sensação de competência profissional para tomar decisões que serão importantes no decorrer da sua atividade profissional. Com os sucessivos plantões, o convívio com a família, namorados (as) e amigos fica restrito aos momentos de folga, que são poucos. Perguntada se está arrependida pela escolha, a resposta soa definitiva: “Não, de jeito nenhum, esta é a opção de vida que escolhi”, garante Giselle Mendes.
PRINCIPAIS MOTIVOS DE ESTRESSE NA RM
Maiores fontes
Medo de cometer erros.
Fadiga, cansaço.
Falta de orientação.
Estar constantemente sob pressão.
Falta de tempo para o lazer e convívio pessoal.
Situações mais difíceis
A quantidade de pacientes.
A comunicação com pacientes de baixo nível socioeconômico-cultural.
Falecimento de pacientes.
Pacientes com alteração de comportamento.
Comunicar ao paciente e/ou à família situações graves ou de morte.
O medo de contrair infecções durante a realização de atos médicos.
Dilemas éticos da profissão.