Embora o resultado da pesquisa confirme a percepção geral sobre o tema, o estudo é importante porque documenta a realidade brasileira, afirmam especialistas. “A pesquisa é inédita e pode ser o passo inicial para a reformulação das políticas de saúde mental no país”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Josimar França. A ausência de estatísticas confiáveis no setor e a falta de conhecimento da população sobre o tema são consideradas as principais dificuldades enfrentadas.
De acordo com o estudo, 84% dos médicos psiquiatras entrevistados dizem que a quantidade de serviços de assistência em saúde mental é limitada e não atende às necessidades da população. Das 2.267 pessoas entrevistadas, 9% disseram ter problemas mentais ou algum familiar que teve problemas no último ano, o equivalente a 17 milhões de pessoas. Desse total, 72% das pessoas que precisaram de atendimento buscaram tratamento no setor público. “Esse resultado vem ao encontro das nossas preocupações com este setor em especial, pois como o tratamento de saúde mental é muito oneroso, as pessoas acabam procurando o serviço público”, explica o coordenador do Centro de Estudos Paulista de Psiquiatria, Sérgio Andreoli.
Das pessoas que buscaram atendimento público, cerca de 7% não conseguiram atendimento. Já aproximadamente 45% consideraram o acesso fácil, diante dos 47% que o consideraram difícil – ou seja, a maioria consegue atendimento, mas encontra dificuldades.
A pesquisa também revelou que houve uma migração da oferta dos serviços em hospitais para os serviços comunitários de saúde. Em 2003 existiam cerca de 450 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) no Brasil. Hoje, são cerca de 900. “Somos favoráveis à ampliação do atendimento extra-hospitalar, mas essa política deve passar por uma reforma, não adianta só sair fechando leitos”, opina França.
A pesquisa não mostrou os dados regionalizados, mas, segundo o presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Osmar Ratzke, o Paraná não foge à realidade do país. “Temos falta de médicos psiquiatras; no interior e na região metropolitana, há alguns Caps funcionando sem eles”, diz. De acordo com a Sociedade Paranaense de Psiquiatria, o Paraná possui hoje cerca de 300 psiquiatras.
Especialistas discutem relação entre sono e depressão
A sala reservada para a mesa redonda “Alterações do Sono e Transtorno do Humor” ficou pequena para o número de interessados no tema, ontem, no primeiro dia do 24.° Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que será realizado em Curitiba até amanhã. A atividade contou com a participação de cerca de 200 pessoas e com a presença de quatro especialistas que debateram as relações entre sono, humor e depressão.
Para a professora do Departamento de Psiquiatria da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Gisele Richter Minhoto, há uma relação direta entre sono e depressão. “Os distúrbios do sono constituem um aspecto primordial da depressão, por isso podemos refletir por que a maioria dos antidepressivos mexe com o sono”, diz. Gisele ressaltou que as principais queixas de seus pacientes são: dificuldades para dormir, manutenção do sono, despertar precoce, sono leve e agitado, entre outros. “Geralmente os médicos não perguntam sobre o sono do paciente, fica um alerta para não ‘comermos bola’”, ressaltou aos colegas durante o evento.
O professor do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (Gruda), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP), Frederico Navas Demetrio, contribuiu com uma importante estatística. “A insônia, um distúrbio do sono comum, ocorre em 90% dos pacientes deprimidos”, afirma.
Consenso entre todos os debatedores, a privação do sono foi apontada como um fator que pode diminuir os sintomas da depressão. “Embora não seja uma terapêutica estável, quando o paciente volta a dormir, os sintomas voltam”, alerta a professora Dalva Poyares, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O professor Odeilton Tadeu Soares, do Gruda, abordou o tema dos relógios biológicos, a privação do sono parcial e total e o avanço da fase do sono. “Dormir às 17 horas e acordar às 2 horas, por exemplo, pode diminuir os sintomas da depressão, enquanto que dormir tarde e acordar tarde evidencia a doença”, exemplifica. A mesa redonda foi dirigida pela coordenadora do Programa de Saúde Mental de Campo Grande (MS), Gislayne Budib Poleto.