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Sem direito a medicamentos

A crise da saúde transformou o Tribunal de Justiça do Rio numa grande enfermaria. Levantamento da Defensoria Pública, feito a pedido do GLOBO, revela que mais do que dobrou o número de ações judiciais de pacientes que tentam desesperadamente medicamentos em falta nas prateleiras das unidades das redes municipais, estaduais e federais. Em 2004, os defensores entraram com 728 ações em favor de doentes. Este ano, até o dia 13, o número era 1.552. Juntos, estado e município respondem a cerca de 13 mil processos, acumulados nos últimos anos, mostrando que ainda está longe a cura para um problema que causa sofrimento a milhares de pessoas.

 

            – Fui à Secretaria estadual de Saúde, em novembro, e me disseram que não havia remédio. Procurei a secretaria municipal, que me mandou passar primeiro na Defensoria, que entrou com uma ação – conta Célia Maria Marques, que usa sete medicamentos, para coração, hipertensão e diabetes, ao custo mensal de R$ 400.

 

            A falta de remédios para pacientes crônicos no Rio já ameaçou levar à prisão o secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, com base no artigo 132 do Código Penal, que prevê pena de até um ano de prisão a quem colocar a vida ou a saúde de outra pessoa a perigo direto. Em dezembro de 2003, por exemplo, a polícia abriu inquérito para investigar denúncia contra Cantarino, feita por pacientes com hepatite C, que não receberam em parte daquele ano o medicamento Ribavirina, essencial ao tratamento.

 

            Defensoria envia até 160 ofícios por dia

 

            A dificuldade para obter medicamentos é uma rotina para as irmãs Daniela e Taís Dias Saraiva, de 28 e 24 anos, respectivamente, que se submeteram a transplantes renais e deveriam ter os remédios fornecidos pela Secretaria estadual de Saúde. Uma caixa do imunossupressor, suficiente para um mês, custa R$ 1.700.

 

            – Conseguimos liminares. Mesmo assim, desde que operei, há dois anos, tive que ir ao juiz pelo menos cinco vezes para obter mandados de busca e apreensão dos remédios. Como em algumas ocasiões sequer havia medicamento em estoque, tive que comprá-lo com a ajuda da família – contou Daniela.

 

            Para obter medicamentos, desde imunossupressores, para evitar a rejeição de órgãos transplantados, a antitérmicos, milhares de pessoas têm recorrido à Justiça.

 

            – Há dias em que enviamos até 160 ofícios às varas de fazenda pública, com pedidos de liminares e mandados de busca e apreensão. Sobre o estado, mesmo com decisão judicial, há casos em que o medicamento não é fornecido – afirmou o defensor público Marco Antônio Rodrigues.

 

            Já o segurança Jorge da Silva buscou a Defensoria para garantir para a mulher medicamentos para tratar a asma. Devido ao fornecimento irregular, ela já sofreu crises e teve que ser atendida em emergências.

 

            – São dois remédios que custam cerca de R$ 90. Não tenho esse dinheiro e muitas vezes precisei pedir a ajuda de vizinhos – disse Jorge.

 

            A defensora pública Fernanda Garcia Nunes diz que a demanda por ações aumentou após a intervenção federal nos hospitais do município, em março. Até então, a prefeitura mantinha uma central de regulação de medicamentos, que foi desativada, no Hospital da Lagoa, onde pacientes podiam retirar remédios que não fossem encontrados nos postos de saúde. Segundo ela, nenhum posto foi criado para substituir o desativado:

 

            – A decisão de criar a central de regulação foi tomada em 2002, num acordo extra-judicial entre prefeitura e estado, para reduzir o número de ações. O município criou a central mas começou a ter problemas de estoque em 2004. Já o estado jamais cumpriu o acordo.

 

            A rotina de não encontrar os remédios mais baratos é conhecida pelo administrador Carlos da Cruz Fernandes, de 70, que sofre de hipertensão, entupimento das carótidas e tem o coração dilatado. Os gastos com remédios tomados por Carlos e pela mulher, que sofre de osteoporose, batem os R$ 2 mil mensais:

 

            – Entre os remédios, está o A.S. Apesar de barato, nem esse encontramos em postos de saúde de Campo Grande e Santa Cruz – conta Carlos, que move quatro ações judiciais.

 

            Além da Defensoria, outras entidades tentam assegurar medicamentos por via judicial. O presidente da ONG Grupo Pela Vidda, William Amaral, diz que a entidade move hoje 130 ações contra o estado para obter medicamentos para pacientes com Aids:

 

            – O paciente tem que arrumar uma maneira de conseguir remédios. A alternativa é sentar e esperar pela morte – lamentou.

 

            A Secretaria estadual de Saúde informou que gastou R$ 5.342.394,35, em 2004, com a compra de medicamentos por ordem judicial. O secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, adiantou que fará licitação em 2006 para comprar R$ 6 milhões em remédios para atender a demandas judiciais. O Ministério da Saúde disse não ter informações sobre falta de remédios na rede própria.