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Um estímulo à solidariedade

Estatuto prevê dedução no Imposto de Renda a quem cobrir despesas de idosos em situação financeira precária

A memória da ex-empregada doméstica Maria da Conceição não guarda idade ou sobrenome. A aparência denuncia cerca de 75 anos, mas a data de nascimento tornou-se um mistério, assim como o paradeiro da carteira de identidade e do cartão de benefícios. A sorte foi ter sido recebida na Casa de Amparo Thereza Christina, no Riachuelo (Zona Norte do Rio), onde mora há quatro anos. Pelo Brasil, contudo, vivem inúmeras outras Marias, carentes, sozinhas e sem apoio. Para elas, o Estatudo do Idoso traz uma esperança. A lei permite dedução no Imposto de Renda a quem acolher um brasileiro de terceira idade em situação financeiras precária.

Aos 87 anos, a diretora do asilo no Riachuelo, Helusa da Silva Vargas, lembra que Maria da Conceição foi deixada lá por uma mulher identificada como Verônica. As duas moravam juntas numa casa em Campo Grande, na Zona Oeste.

– Os documentos provavelmente ficaram com essa acompanhante, que deve estar descontando uma aposentadoria que não lhe pertence. Por ter ficado sem o benefício, Conceição fica isenta de pagar sua estada aqui no asilo – explica Helusa, voluntária há 30 anos. A casa se mantém com doações e as internas que recebem rendimentos pagam um salário mínimo por mês. Vivem ali 39 idosas, que consomem R$ 5.600 mensais só em remédios.

O artigo 36 do Estatuto, prevê que ”o acolhimento de idosos (com no mínimo 60 anos) em situação de risco social, por adulto ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica, para efeitos legais”. Para que a solidariedade entre em prática, no entanto, ainda falta regulamentar o texto.

O secretário-adjunto da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, informou que técnicos estão estudando o assunto. O desconto no imposto valerá a partir da declaração de ano base 2004, e o acolhimento não significa necessariamente em dar um teto ao idoso, mas sobretudo fornecer ajuda financeira para pagamento de aluguel, roupas, remédios e alimentos.

Enquanto a lei não é regulamentada, os candidatos aguardam. A administradora de empresas aposentada Helena Fantezia, de 53 anos, espera a chance de adotar um avô ou uma avó:

– Trabalho como voluntária há menos de um ano e penso em ajudar com dinheiro um idoso carente. Se poderemos deduzir do imposto, por que não lançar mão desse recurso?

O Estatuto do Idoso entrou em vigor no primeiro dia do ano, mas muitos artigos ainda precisam de regulamentação. A coordenação deste processo está nas mãos da ministra da Assistência Social, Benedita da Silva. Outras autarquias, como a Receita Federal e o Ministério dos Transportes, também vão integrar o esforço de de transformar o texto em realidade. Com as novas regras, a legislação local poderá dispor sobre gratuidade também para pessoas na faixa etária de 60 a 65 anos.

De acordo com o advogado e consultor Lázaro Rosa da Silva, o acolhimento de um idoso fica caracterizado quando ele passa a ser dependente econômico de quem o ajuda. Para fins de dedução no Imposto de Renda, hoje estão classificados oito tipos de dependência (relacionadas a filhos naturais ou adotivos, netos, bisnetos, irmãos e cônjuges).

– A adoção será o nono item. Quem for acolhido não precisa ser da família. A pessoa interessada em ajudar pode pagar alimentação, serviço médico e habitação. Como as regras ainda não foram definidas, fica difícil saber com será feito.

Lázaro explica que existe a possibilidade de a dedução ser feita na fonte, com o desconto no contracheque. Hoje, o valor por dependente é de R$ 106. Além disso, existem os descontos por gastos com despesa médica e educação, no caso das crianças e jovens.

O consultor lembra ainda que, se um idoso gastar muito com medicamentos, pode ter até dois protetores, que dividirão as despesas e, consequentemente, a dedução.

O fim do recesso parlamentar, em fevereiro, pode marcar o início de uma onda de benefícios fiscais para quem está disposto a ajudar idosos. O deputado estadual Otávio Leite (PSDB-RJ) estuda um projeto de lei para incentivar o acolhimento no Estado.

– A classe média deve ajudar sem grandes despesas. Por isso, precisa haver compensações. Vou propor desconto do IPVA para quem acolher idosos e sugerir à bancada do PSDB na câmara municipal que haja desconto de IPTU – revela.

Mais uma forma de desconto no imposto

A desonestidade na hora da declaração do Imposto de Renda é a maior preocupação de assistentes sociais e pessoas que praticam caridade em relação ao texto do Estatuto. A vice-presidente do Conselho Estadual do Idoso, Sandra Rabelo, alega que o artigo 36 pode ser uma oportunidade para driblar a Receita, sem que os cidadãos da terceira idade sejam ajudados.

– Não podemos ignorar a existência de parentes que usam o cartão do idoso a seu bel-prazer e agora passa a existir um novo caminho para os espertalhões – reclama.

A empresária Vera Loyola, por sua vez, apóia o Estatuto incondicionalmente.

– Já ajudo os idosos da fundação Leão XIII. Para mim, o fato de reduzir o Imposto de Renda é secundário.

A socialite Nana Sette Camara, que nos últimos 10 anos arrecadou US$ 1,5 milhão com festas no Copacabana Palace para doar a hospitais, entidades e escolas, mantém um pé atrás com a novidade.

– É melhor que as pessoas doem sem o comprometimento dos descontos. Isso pode dar margem a recibos falsos, como já aconteceu – desconfia.

Outra representante da alta sociedade carioca, Maria Helena Chermont, que mantém o Patronato Operário da Gávea, instituição para 120 crianças carentes, acrescenta:

– Precisamos ter cuidado. Já fiz doação para instituição que não existia. Prefiro ajudar idosos comprando o que precisam, sem vínculo.

Deficientes serão os próximos

O mesmo autor da proposta que deu origem ao Estatuto do Idoso, o senador Paulo Paim (PT-RS), defende agora o projeto de lei para a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência. O texto está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A apresentação do projeto cita um levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmando que 10% da população mundial portam algum tipo de deficiência.

De acordo com o texto, o Brasil conta com uma ”larga legislação que garante os direitos do cidadão com deficiência, com início em nossa Constituição Federal. (…) Se a legislação do setor é rica, o mesmo não se pode dizer da conscientização do poder público para garantir sua aplicabilidade”.

O coordenador do projeto do Estatuto, o assessor parlamentar Santos Fagundes, afirma que o objetivo da proposta é aprimorar as políticas e as leis em benefício dos deficientes.

– Está previsto que todas as pessoas com deficiência física, mental e sensorial, cuja família tiver renda de até 10 salários mínimos, receberão ajuda mensal de um salário – explica Fagundes.