O auxílio-doença, a que têm direito todos os trabalhadores do setor privado do país, pode inviabilizar as contas da Previdência Social se o volume de concessões do benefício continuar crescendo no ritmo verificado nos últimos cinco anos. Só este ano, a Previdência vai gastar em torno de R$ 11,8 bilhões com o auxílio-doença -10% das despesas totais, que vão ficar este ano em torno de R$ 120 bilhões – mais que o dobro do que foi gasto em 1999. Naquele ano, o auxílio-doença beneficiou 460 mil trabalhadores, enquanto em 2004 o número de trabalhadores atendidos poderá chegar a 1,5 milhão.
Os cálculos são do ex-ministro da Previdência Social José Cechin, economista licenciado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, pelo menos R$ 3 bilhões desses gastos poderiam ser evitados.
– Pode estar havendo anormalidade na concessão de pelo menos o equivalente a R$ 3 bilhões em auxílio-doença – disse ele.
Cechin e outros especialistas apontam várias razões para o crescimento dos pedidos do benefício. Além da falta de fiscalização adequada por falta de médicos e fiscais, a queda da atividade econômica dos últimos anos – que está levando as pessoas a buscarem formas de obter algum tipo de renda – pode ser um outro motivo para o aumento da concessão do auxílio-doença.
Sindicato culpa a terceirização
O problema também está no centro da preocupação do governo federal, que já estuda medidas para estancar a sangria do dinheiro da Previdência. Uma delas é aumentar o número de médicos que fazem perícia – a carência desses profissionais chega a três mil – e reabilitar as pessoas que ficam afastadas temporariamente para o trabalho. Para o governo, está havendo um desvio da função da Previdência Social.
– Parte do aumento das concessões do auxílio-doença pode ser atribuída à crise econômica. As pessoas não têm direito ao seguro-desemprego e, por isso, quando desempregadas, buscam se proteger no auxílio-doença. A Previdência vem fazendo um papel assistencial que deveria estar sendo feito por programas como o Bolsa-Família, por exemplo – disse o secretário de Previdência, Helmut Schwarzer. Ele explicou que qualquer trabalhador que contribua para o INSS durante 12 meses passa a ter direito de receber o auxílio nos 12 meses subseqüentes. Decorrido este prazo, caso o mesmo trabalhador encontre um emprego por apenas dois meses, ele passa novamente a ter direito ao benefício. O auxílio é pago pelo governo a quem fica incapacitado para o trabalho por mais de 15 dias seguidos, por motivo de doença. O valor do auxílio será de 91% do salário de benefício (calculado com base na média aritmética dos salários de contribuição ao INSS).
O secretário adiantou que estão em estudo no governo federal diversas medidas que serão adotadas a partir do início do próximo ano. Entre elas o reforço da fiscalização e da contratação de médicos por concurso público. Além disso, a reabilitação profissional para que um mesmo trabalhador não busque o benefício por um prazo muito longo e não seja reincidente no pedido de auxílio.
Os trabalhadores vêem o aumento do auxílio-doença de modo diferente. O secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil e Mobiliária do Distrito Federal, Edson Corrêa dos Santos, o atribui à terceirização. Para ele, a medida faz com que o trabalhador despreparado ocupe posições de risco.
– Vemos serventes de obras fazendo tarefas arriscadas para as quais não estão preparados. Ou mesmo pessoas que, por serem despreparadas, passam dez a 12 horas no computador se candidatando a adquirir a LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Quem é especializado não faz isso – comenta Corrêa dos Santos.
Benefício cresce a ‘taxas estonteantes’ de 24% ao ano
BRASÍLIA. A preocupação com o aumento do auxílio-doença persegue até quem já não é do governo. O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e o ex-ministro da Previdência Social José Cechin acabam de publicar um estudo no qual dizem que o auxílio-doença vem crescendo a “taxas estonteantes” de 24% ao ano desde 1999. Já a quantidade de benefícios emitidos (aposentadorias e pensões) aumentou em média apenas 3,8% ao ano.
Segundo os dois economistas, em 1999 foram concedidos 460.388 auxílios-doença; em 2000, 492 mil; e em 2001, 554.313. Um ano depois, o número de concessões do auxílio-doença chegou a 849.074; e em 2003, a 1,08 milhão. Os dados mostram que, entre 2002 e o ano passado, o crescimento foi de 47%. Parte deste salto é atribuída à greve prolongada dos funcionários do INSS, que contribuiu para represar os benefícios.
Este ano a estimativa do governo é que a busca pelo auxílio-doença possa ficar entre 1,3 milhão e 1,5 milhão. Cechin vê como uma das causas para o aumento dos pedidos e concessões do benefício o fato de o quadro de médicos do INSS estar muito envelhecido pela falta de concurso público. Além disso, aponta ele, aumentou o credenciamento de médicos particulares para prestar serviços em perícia médica:
– Esses médicos não têm grande preocupação com as contas da Previdência e podem estar sendo pouco cuidadosos na concessão do auxílio-doença. Além disso, diante de maiores exigências para a aposentadoria, é possível que parte dos segurados esteja procurando outros benefícios.